A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

Viu o vizinho atrás da cerca da casa dele. Como se chamava mesmo? Lauritsen?
Restava saber se aquilo tudo era graças a ele ou se o bairro inteiro tinha se
mancomunado e trabalhado aos sábados para deixar a casa em bom estado. “São
criadas instituições em tudo quanto é lugar”, lembrou a si mesma. “Comunidades
com normas, escritas e não escritas; instituições que têm praticamente vida própria
e conseguem se autocorrigir, que rechaçam o que não se encaixa nelas.” Põem para
fora. Como tinham feito com Eva. O vizinho continuava atrás da cerca. Eva
pressentia que ele queria falar com ela, mas que talvez estivesse sem jeito, talvez não
soubesse se tinha feito mesmo um favor ou se tinha se excedido. Ela se sentia da
mesma maneira. O vizinho precisaria esperar atrás da cerca até que Eva se decidisse.
Ela se aproximou da porta da frente e tirou a chave do bolso. Hesitou. Trânsito às
suas costas. Voltou-se. Quando viu o carro, perdeu toda a valentia, tudo aquilo que
Eva ultimamente tinha se dedicado a construir. Abateu-se de repente, desabou,
como um edifício que vem abaixo. Tinham voltado. Eles. Com os vidros
escurecidos e as latarias também escuras, impenetráveis, veladas. O carro parou no
meio-fio. Eva girou depressa a chave. Se tinham vindo por ela, não capitularia sem
lutar antes, isso nunca.



  • Com licença...
    Eva abriu a porta.
    De novo, a voz às suas costas.

  • Com licença... Senhora?
    Eva, com a porta já aberta, olhou para trás. Era um motorista, um da velha
    guarda, com quepe e terno combinando.

  • Eva Katz?

  • Quem quer saber?

  • Trago uma carta para a senhora.

  • O senhor é...?
    O homem sorriu e perguntou:

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