A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

compareceria ao Palácio de Christiansborg para receber a comenda. E a rainha
precisava das duas páginas para seu arquivo privado no Capítulo das Ordens Régias.
Uma coisa que ninguém além da monarca poderia ler. Ainda não. Mas algum dia.
Algum dia, abririam o arquivo. E os historiadores leriam os currículos de vários
séculos. Entre esses currículos, o que Eva estava escrevendo naquele instante, uma
mensagem para a posteridade. Quase não percebeu quando Louise deixou diante
dela os ovos cozidos ainda quentes e um pratinho com sal. Eva estava escrevendo
sobre Brix, sobre o assassinato dele, sobre aquilo pelo qual Rico tinha sacrificado a
vida. Escreveu sobre a Aliança, sobre o que estava na cara e todo mundo conseguiria
entender se tivesse disposição suficiente – que as monarquias agem nos bastidores
para se ajudarem mutuamente e para ajudar outros a recuperarem os tronos hoje
vazios; que essa ação era antidemocrática e secreta. Foi isso o que Eva escreveu;
principalmente, escreveu tal qual seu mentor tinha ensinado. Ele a ensinara a
escrever a verdade, sem se importar com o número de leitores; sem se importar com
a recepção do público, se aquilo o faria engasgar com o café da manhã no fim de
semana; sem se importar se ajudaria ou não a pagar a hipoteca da casa ou a escola
particular dos filhos. Quase conseguia ouvir Lagerkvist lhe gritar ao ouvido que ela
era uma vadia sem talento que precisava tomar jeito e colocar no papel uma palavra
de cada vez, como fazem as criancinhas quando têm que aprender a andar, olhar
cada uma dessas palavras e então se perguntar, como as crianças a cada passo: “Está
certo? Estou fazendo direito?”
Olhou para o relógio. Deus do Céu!



  • Louise?

  • Outra?

  • Tenho um compromisso. Você pendura aí?

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