A Santa Aliança

(Carla ScalaEjcveS) #1

lugares onde as coisas também funcionavam. Levavam igualmente a países onde as
coisas não funcionavam. Por exemplo, aos Estados Unidos, um país que tinha
começado a se imolar, um país em que cerca de quarenta mil pessoas perdiam a vida
todos os anos em tiroteios fortuitos e arbitrários, para nem falarmos do grande
número de feridos que isso também causava. Os Estados Unidos estavam em guerra
consigo mesmos, uma guerra civil sem tirar nem pôr... Por que estava agora
pensando naquilo? Seria porque a consciência lhe pesava? Ou porque sabia que
acabava de salvar a todos? Tinha salvado a Instituição, todos os que o rodeavam, a
mãe e a menininha sentadas a seu lado no banco. Um pequeno passo em falso, e a
segurança delas estaria em risco. As ruas voltariam a ficar inseguras como na Grécia
e nos Estados Unidos, onde não havia como o cidadão comum saber com que
depararia amanhã – sobreviveria a outro dia na escola? Teria comida? A mãe e a
filhinha se levantaram. A mulher sorriu para Marcus.
Ele se levantou, atravessou a rua e, renovado, reparou no que o rodeava, como se a
longa noite e todo o dia anterior lhe tivessem aberto os olhos e aguçado os demais
sentidos. Tinha feito algo para defender a instituição; tinha derramado sangue para
salvá-la. Sim, tinha dormido mal, era verdade; principalmente por causa do velho.
Afinal, este era inocente, como David tinha dito; mas Marcus estava disposto a
pagar de bom grado o preço. Desde que pudesse defender a perfeição, conseguia
suportar o peso de ter tirado a vida de um inocente. Lançou pela última vez um
olhar para trás e viu os jardineiros que podavam as árvores para que os galhos não
pendessem sobre a rua, para que os ônibus e caminhões não batessem neles, não os
quebrassem, não os fizessem cair na passagem de pedestres. Perfeição. Estética e
funcionalidade. Será que alguém imaginava o que se fazia necessário para obtê-la?
Foi assim que Marcus deu por encerrados seus pensamentos íntimos naquela
manhã, antes de chegar à entrada principal, numa rua ao lado da Kongens Nytorv.
[2] Os dizeres de latão do porteiro eletrônico tinham acabado de ser lustrados.
“SYSTEMS GROUP”, um letreiro discreto com logotipo dourado – duas flechas

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