Sabor Club - Edição 32 (2019-09)

(Antfer) #1

EM VERDE COR DE FLORESTA, A FOLHA
de couve chamuscada parece abraçar os minitomates
acesos em vermelho no galho. Pequenas cenouras
têm a pele morena e os talos tostados, tom sobre tom
entre pedaços caramelizados de abóbora. Couve flor
e brócolis criam jardim de talos crocantes enquanto
o quiabo se ouriça, guardando as sementes em ponto
explosivo de caviar. Os grãos de milho são como
pingos dourados do sol entrando pelo teto de vidro
sobre o arroz que se esparrama no ferro da panela,
guiada pelo fogo vivo da lenha. Iluminada pela
chama que à mesa chega em forma de poesia
para se comer.
Resumo de um reaprendizado em versos livres
ao redor do grande forno de barro, a imagem do
arroz de frutos da terra foi postada pela cozinheira
na internet com palavras da escritora Lygia Fagundes


Telles: “A beleza não está nem na luz da manhã nem
na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio
tom, nessa incerteza”.
A poeta Roberta Sudbrack faz da colher a pena,
sempre foi assim. Escreve em sabores sua história
do Brasil, o ponto onde tudo começa. Sabe que
a emoção reside em palavras simples, coloquiais.
Mas também no jeito de pronunciá-las. Há um ano,
quebrou as estrofes e dispensou as rimas numa casa
branca sem placa na porta, ou parede separando a
cozinha da sala, em rua pequena do bairro carioca do
Jardim Botânico. Prefere as vicinais, costuma dizer.
“Cozinhar é meu dom, um sacerdócio. Mas
o prazer é inegociável na cozinha. Tem que ter
curiosidade, obsessão. Encontrei um jeito de me
expressar que me deixou feliz de novo. Voltei a ser


uma criança entre as panelas”, diz a chef, sentada
com seu avental azul em mesa do restaurante Sud,
o Pássaro Verde. “A poesia está mais livre e aberta.
Continuo sendo perfeccionista, mas minha rigidez
está mais doce.”
Sabor.Club teve o prazer de almoçar com Roberta
numa sexta-feira animada, onde o barulho de vozes,
risadas e talheres que hoje lhe serve de alimento não
cessou durante a tarde, na casa que fica aberta até
de noite. Uns beliscando, outros almoçando. Alguns
bebendo vinho. E duas moças que sentaram para
dividir uma Clafoutis fumegante de cerejas, preparo
típico da nova fase. Muita calma nessa hora porque a
beleza está quente. E a chef é a primeira a dizer que
devemos respeitar o fogo.
Na nossa mesa, aliás, descem cogumelos shitake
bronzeados e de sabor intenso, com pó de ervas

queimadas manchando o prato branco e uma colher
de molho bernaise que é nuvem amanteigada na
boca. Pausa na prosa para um suspiro inevitável.
“A primeira coisa que falei nessa casa foi: eu
quero um forno à lenha. Mas eu sei cozinhar num
forno a lenha? Não, e isso é o mais bacana”, diz
Roberta. “Não podemos subestimar o fogo. É ele
quem manda e traz essa impressão selvagem, mas
sendo algo que você controlou. É como um balão,
saindo para voar sem saber onde vai cair. Mas você
pode ir gerenciando o voo.”
No avanço da prosa, notamos que é na “incerteza”
e no “meio tom” citados na frase literária inicial que
mora não apenas o direito, mas um certo dever de
errar que está na linha evolutiva do trabalho. Depois
de deixar para trás o RS, após 12 anos, restaurante

“O prazer é inegociável na cozinha. Tem que ter curiosidade, obsessão.
Encontrei um jeito de me expressar que me deixou feliz de novo.
Voltei a ser uma criança entre as panelas”

Liberdade para poder estar perto das pessoas que
comungam de seus pensamentos. É dessa forma
que Roberta define, no Sud, as noites de convidados
especiais onde encontra um paralelo de “vibração e
energia” com os antigos lançamentos das ‘coleções’
que promovia no RS, dedicadas a suas pesquisas com
ingredientes brasileiros. “Deixei as segundas-feiras


livres para os encontros”, diz.
Além dos jantares de aniversário de um ano da
casa, feito a quatro mãos com Sei Shiroma, do South
Ferro, foi noite concorrida o menu degustação que
reuniu os produtos orgânicos do mercado carioca
Acolheita, os pães da Slow Bakery, e os vinho vivos
da gaúcha Vivente.

Encontro das segundas
A chef reserva o primeiro dia da semana para fazer jantares especiais

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