Sabor Club - Edição 32 (2019-09)

(Antfer) #1
Sabor. club [ ed. 32 ] | 47

pioneiro no Brasil no formato de menus degustação
fechados e visitados apenas mediante reserva, o
pássaro verde parece voar de volta para o futuro.
“Fomos muito longe no RS. Se a gente não desse
um passo para trás, não chegaríamos na essência, no
sa-bor (ressalta as sílabas). Continuamos conectados
e coerentes com tudo o que sempre fizemos, mas de
maneira mais confortável. Eu acho que isso aqui está
na frente do tempo, porque é onde todos nós vamos
temos que chegar.”
A possibilidade de mudar o cardápio a cada dia
permanece, e o garimpo de produtos artesanais
ganhou exposição permanente na tábua Embutidos
Brasileiros, assim como o queijo estilo Saint
Marcellin produzido pela família Sudbrack em
Pomerode (SC).


No Rio Grande do Sul, Roberta descobriu o mel
branco da cidade de Cambará do Sul, onde também
colheu cogumelos. Da experiência uma flor nasceu
no jardim do Sud. Como pétalas, lâminas quase
transparentes de cogumelos cardoncello são regadas
pelo mel perfumado das flores da árvore carne-de-
vaca, e o conjunto recebe chuva de queijo parmesão.
A presença no menu de tal experiência bem
poderia constar nas coleções forjadas no extinto
RS, e ilumina o fio condutor de que nos fala a
cozinheira. “A diferença é que agora é o cliente que
escolhe seu caminho, seu ritual.”
Solicitamos então a presença do quiabo com


lardo brasileiro e broa de milho (tostada e desfeita
como farofa), trama sudbrackeana de outros
tempos. E fomos em seguida surpreendidos por um
lagostim que saiu do forno à lenha e aprumou-se
em maionese e raspas de limão caipira, pó de capim
limão e folhas de limoeiro secas, um profundo aroma
cítrico de pomar. Por cima do crustáceo, lâminas
de tomates frescos no corte finísimo que subverte
texturas e está na assinatura da chef. Fechando
a sequência, lindo trecho de costela bovina com
canjiquinha amanteigada e acelga.
“Pensa num assado de domingo, você abre papel
laminado e dá um garfo para alguém. Todos vamos
direto na parte que grudou, aquela referência afetiva
que, tecnicamente, na cozinha contemporânea,
é um erro. No RS, a melhor parte quem comia

era o cozinheiro. Aqui no Sud levamos na mesa o
queimadinho, esse defeito maravilhoso.”
Às 21h, o Pássaro Verde se recolhe, modificando
também a relação habitual de um restaurante com o
tempo. Roberta relaxa, e escolhe em casa as frases que
legendam às fotos das redes sociais. Guimarães Rosa
está lá, é claro. É um de seus preferidos, na forma de
subverter as palavras para expressar um Brasil
de raízes profundas: “Eu só preciso de pés livres,
de mãos dadas e de olhos bem abertos”.

Sud, o pássaro verde – R. Visconde de Carandaí, 35,
Rio de Janeiro – RJ. Tel.: (21) 3114-0464

“Pensa num assado de domingo: você abre papel laminado e dá um garfo para alguém.
Todos vamos direto na parte que grudou, o que, tecnicamente, é um erro na
cozinha contemporânea. No RS, a melhor parte quem comia era o cozinheiro”

Barulhinho bom
Por que a casa da Roberta é tão acolhedora


No Sud, os sentidos são despertados de outra forma.
Do balé dos cozinheiros à vista, que levam a lenha
ao forno, movimentam as longas pás e conduzem
as panelas, aos aromas que ganham o salão. E um
elemento auditivo festejado pela chef.
“Quando fechei o RS, fui à França e gravei no
telefone o som ambiente de um bistrô. Depois, em
reunião com pessoas que trabalham comigo, soltei o


áudio e falei: eu quero isso. Ouvir talheres, pessoas.”
Na cristaleira ao lado do balcão da cozinha,
a coleção de imagens de pássaros continua
aumentando – muitos, presentes recebidos pela
chef. Assim como os santos e orixás na estante.
“As pessoas sabiam o nome da minha avó, do meu
cachorro, mas diziam que nunca poderiam ir no
meu restaurante. Alguma coisa estava errada.”
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