Sabor Club - Edição 32 (2019-09)

(Antfer) #1

68 | Sabor. club [ ed. 32 ]


DIZ O DITADO QUE SE CONSTRUIR a montanha, vai ter de escalá-la.
E é isso o que o casal de cozinheiros Giovanna Perrone e Rodrigo Aguiar vêm
fazendo, no restaurante deles, o Rios, no bairro do Tatuapé, na zona leste
paulistana. Numa conversa com eles, é inevitável fazer a pergunta, já feita um
milhão de vezes: o-que-é-que-vocês-estão-fazendo-num-bairro-com-tão-pouca-
tradição-gastronômica?
O casal, explica-se, opta por fazer uma cozinha contemporânea moderna e
inventiva, normalmente aplicada num circuito restrito das metrópoles.
Ou muito longe dele, pelo cozinheiros estrelados que mudam para o campo,
para ficar mais próximo da matéria-prima fresca com as quais trabalham.
O Tatuapé, bairro em ascensão sócio-econômica não é uma coisa, nem
outra. E isso explica porque os talentosos Giovanna e o Rodrigo vêm, há três
anos, doutrinando a clientela local, pouco acostumada com o imprevisto no
prato – característica que é o grande o barato da comida deles.
Exemplo marcante disso foi o freguês que insistiu em colocar parmesão
num risoto feito com queijo Tulha, uma joia de massa dura, feita na Fazenda
Atalaia, em Amparo, no interior paulista. O homem não sossegou mesmo
diante do produto in natura, muito parecido com o primo italiano. Acabou

trocando de prato até que voltou, dias depois, arrependido. Não sobrou
risoto para contar história.
No primeiro ano do restaurante, o casal volta e meia fazia concessões e
adaptava os pratos. Até spaghetti à bolonhesa fez. Então veio o basta: “Claro,
preparávamos com o maior rigor. O molho de carne, por exemplo, tinha língua e
costela na receita. Mas, definitivamente, não era a cozinha que queríamos fazer.”
Giovanna e Rodrigo querem liberdade para fazer alta gastronomia, termo
que, durante uma hora de papo, foi dito por ela inúmeras vezes. Isso significa
trabalhar não só com uma criatividade fora dos padrões mas, principalmente,
com uma precisão e uma perfeição notáveis. Apesar de muito jovens, ela
tem 23, ele tem 30, o que colocam na mesa é, de fato, o que propõem. Seja
na concepção, como na ótima execução – mas que pode (e deve!) chegar ao
excepcional. Seja na prosaica coxinha que ganha forma perfeita, recheio de
galinha defumada e caldosa, acompanhada de uma fonduta de queijo cremoso,
delicadamente servida dentro de uma casca de ovo – milimetricamente
quebrada da extremidade. No cupim defumado no pit smoker cujo o destaque
é o demi-glace impecável servido com ele. No chorizo com vinagrete de carne,
cogumelo eringui grelhado e azeite de brasa – salve, salve Ferran Adrià.

Eles querem liberdade para fazer alta gastronomia, termo
que, durante uma hora de papo, foi citado inúmeras vezes

Top chef
Aos 23 anos, Giovanna
Perrone tem muita
lenha para queimar

Giovanna Perrone exitou
ao ser convidada para
participar do Top Chef
Brasil, na Record. “Entrei
porque queria promover
o restaurante”, diz. E quem
a viu atuar, percebeu
a clara obsessão pela
perfeição que buscam no
restaurante. No programa,
chorou ao quase ser
eliminada (na verdade
foi e voltou) e sorriu ao
levantar o caneco diante
dos aplausos clamorosos
dos jurados Felipe Bronze,
Emmanuel Bassoleil e
da Ailin Aleixo, jornalista
de gastronomia. Diz,
hoje, que a experiência
valeu muito a pena,
embora ache a edição
da TV poderia ter dado
mais foco à cozinha e
menos às intrigas que
naturalmente rolam entre
os participantes.
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