Adega - Edição 166 (2019-08)

(Antfer) #1
66 ADEGA >> Edição^166

ESCOLA DO VINHO | por^ RODRIGO MAINARD, DIRETOR DE MARKETING DA MISTRAL


Fique atento com vinhos armazenados
em garrafas transparentes

GOÛT DE


LUMIÈRE,


O LADO “SOMBRIO” DA LUZ


A


ssim como era costume envazar
azeites e cervejas em garrafas escu-
ras, as garrafas de vinho também se-
guiam a mesma regra. A razão para
isso foi sempre a mesma: para que o
líquido ficasse protegido da luz do sol.
A primeira notável exceção a esse costume sur-
giu com o Champagne Cristal. Em 1873, o Czar
Nicolau II da Rússia encomendou uma cuvée es-
pecial e personalizada para Louis Roederer. Para
tornar o vinho ainda mais luxuoso, ele foi engarra-
fado em uma garrafa de cristal transparente – mui-
to mais cara e sofisticada que as garrafas normais.
Até hoje, o Champagne Cristal é vendido em sua
icônica garrafa transparente, mas ela é embalada
em uma folha de celofane laranja, que protege o
vinho dos raios ultravioleta (UV).
Com o sucesso cada vez maior de vinhos e espu-
mantes rosados, sem falar do novo nicho dos brancos
elaborados com contato prolongado com as cascas,
o número de rótulos engarrafados em vasilhames
transparentes tem crescido bastante. A vantagem de
engarrafar um vinho como esses em garrafas trans-
parentes é óbvia: é o melhor modo de mostrar sua
bela cor, uma eficiente estratégia de mercado para
seduzir o consumidor. O aspecto visual de um vinho,
muitas vezes, dá pistas do que está por vir e a cor sal-
monada e exuberante de um rosado da Provence,
por exemplo, certamente desperta a vontade de to-
mar uma taça gelada em um dia ensolarado.

Qual a desvantagem de envasar um vinho
em uma garrafa transparente? O risco de o vinho
apresentar o chamado “goût de lumière”. Esta
expressão francesa, “gosto de luz” em uma tra-
dução literal, parece até uma descrição elogiosa,
entretanto, tem mais em comum com o “goût
de bouchon”, ou bouchonné, do que com uma
qualidade positiva. Ela refere-se à contaminação
do vinho pelos raios UV, que podem deixar um
vinho fresco e saboroso com aromas sulfurosos,
que lembram alho ou repolho cozido – o que
certamente não gostaríamos de encontrar em um
bom rosé.

Reações
A luz provoca reações químicas com a riboflavi-
na (vitamina B2) e os aminoácidos presentes no
vinho, resultando em componentes sulfurosos
como o dimetil dissulfeto (DMDS) e o metano-
tiol (CH4S), famosos pelos aromas desagradá-
veis. Com as reações químicas, a fruta do vinho
vai embora e dá lugar a um aroma oxidativo e de
papelão. Um vinho que esteja bastante contami-
nado com o goût de lumière não será consumido,
mas o problema são as garrafas levemente conta-
minadas. Para os enófilos com pouca experiência
ou que não conhecem o vinho que está sendo
provado, o defeito pode passar despercebido. Os
tintos são bem menos afetados porque os taninos
os protegem, evitando essas reações.
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