Você SA - Edição 255 (2019-08)

(Antfer) #1

preender: você perde, ganha, perde
de novo e tem de seguir em frente.
Há uma série de “nãos” no caminho.
Quantos empreendedores falharam
antes de ver seu negócio florescer?
O esporte ensina isso, que você tem
de ser resiliente. Quando perder, tem
de levantar a cabeça e continuar com
disciplina para alcançar os objetivos.


Nesses momentos de dificuldade,
o que fazer para engajar a equipe?
Você só consegue motivar as pessoas
até certo ponto. Motivação é uma
coisa intrínseca. O que posso fa-
zer como líder é dar oxigênio à sua
chama. Posso ajudar a inflamar
esse propósito, mas a motivação é
um processo que vem de você. Criar
disciplina é mais efetivo, pois ajuda
as pessoas a se manterem dispostas
a fazer o que é necessário.


Como assim?
Todo dia você acorda motivado
para fazer o que precisa? Não. Em
alguns você está mais cabisbaixo,
mas, se for disciplinado, você vai
fazer. Então eu digo: até que ponto
é motivação ou gerar uma lucidez
sobre a disciplina? Se a pessoa tiver
consciência de que aquilo é impor-
tante, vai fazer mesmo quando es-
tiver desanimada ou pensando em
procrastinar. Essa disciplina está
relacionada ao objetivo de cada um,
tem a ver com manter o sonho da
medalha de ouro. “Ah, eu não estou
querendo treinar hoje...”, mas olha
lá o que te espera. Se a gente não
fizer, não vai chegar lá.


Sendo treinador das seleções
masculina e feminina por mais
de 20 anos, você trabalhou com
diversas gerações de atletas.
Qual sua percepção sobre os jovens?
Essa geração mais nova é diferente.
Não é melhor nem pior, eles são di-
ferentes. O mundo mudou, as cultu-
ras mudaram, as ferramentas muda-


ram. Os jovens têm a informação na
palma da mão. Há uma sensação de
imediatismo muito grande. A gente
tem de aprender a lidar com as dife-
renças de gerações. Mas os valores
são os mesmos. Integridade, ética e
moral não mudam. O que muda é a
forma de se colocar. Algumas pes-
soas gostam de ser desafiadas, com
outras é preciso segurar um pouco.

Como perceber essas diferenças
entre os membros do time?
É um exercício, não existe fórmula.
Mas algumas coisas facilitam. O pri-
meiro ponto importante é deixar de
lado o ego. O segundo é ter consciên-
cia de que você não sabe tudo. Mesmo
alguém com mais experiência tem de
estar disposto ao aprendizado perma-
nente. Fora isso, precisa conhecer as
pessoas, criar empatia. Eu tenho de
conhecer você para poder de alguma
forma me tornar um líder para você.
Meus valores podem inspirar e criar
uma proximidade de interesses, mas
eu tenho de conhecer você para que
eu possa entender como treiná-lo me-
lhor. Existe um processo de aprendi-
zado, de conhecimento mútuo. Inte-
ressar-se por gente é fundamental.

Existe um limite para a
proximidade com a equipe?
As pessoas têm um pensamento con-
fuso, que é “ele é meu amigo e não
meu líder”. Mas o que é um amigo?
É uma pessoa que quer muito bem à
outra. Assim como o líder. Liderança
é o cuidado, a confiança, o suporte.
Isso é o mais importante. Mais próxi-
ma ou menos próxima, se realmente
for uma relação calcada nesses prin-
cípios, no momento de tomar uma
decisão dura em relação a alguém,
essa pessoa vai entender que aquilo
precisava ser executado. Os líderes
têm de se relacionar como se fossem
pares dos colegas, o que não vai tirá-
-los do objetivo de fazer o que deve
ser feito. Nem sempre é agradável,
nem sempre é muito popular, mas,
se tem de ser feito, tem de ser feito.
Então, não acho que se deva distan-
ciar por isso. Até porque a proxi-
midade o faz realmente entender o
que fazer para que cada pessoa seja
a melhor versão dela mesma.

No esporte, costumam ocorrer
dois tipos de feedback. Há o que
acontece no calor do jogo e o que
é feito no dia a dia de treinamento.
Como aproveitar cada um deles?
No jogo, é algo mais técnico, para
lembrar a estratégia que foi definida
anteriormente e melhorar a execu-
ção naquele momento. O posterior
pode ter relação com desempe-
nho abaixo ou acima do esperado
e é mais geral. Mas esse retorno é
crucial. Ao longo do tempo, tento
melhorar o processo para que seja
mais permanente. Feed back não é
só falar, é ouvir também.

Algum episódio de feedback
marcou sua trajetória?
Em 2015, nos jogos pré-olímpicos,
Bruno [filho de Bernardinho] foi
ao meu quarto de madrugada e fa-
lou que tinha de conversar comigo.
Ele me disse: “Se você não mudar a

ENTREVISTA

62 wAGOSTO DE 2019 wVOCÊ S/A


“O EGO


É O GRANDE


INIMIGO DA


CONSTRUÇÃO


DE UM


VERDADEIRO


TIME”


FOTOS: 1 J. B. SCALCO 2 EGBERTO NOGUEIRA 3 GETTY IMAGES
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