Ana Maria - Edição 1193 (2019-08-26)

(Antfer) #1

O espetáculo é dedicado a
um sobrinho seu que é gay.
Como foi a aceitação dele por
toda a sua família?
A família, assim como a peça,
sempre soube desde quando ele
era pequenininho e a aceitação
foi tranquila, principalmente
pelos pais, que foram geniais
desde o primeiro momento.
Quando ele era bem pequeno,
ainda se forçava a barra com
conselhos como “leve o menino
para jogar bola”. Mas depois
aceitaram superbem com muito
amor e carinho. Ele é lindo, é
meu sobrinho!


A temática da peça dificultou
a buscar por patrocínio?
Posso falar das situações em
que estive presente. O Marcio
também recebeu ‘nãos’ esquisitos
e, sem dúvida, o tema da peça
atrapalhou muito. Alguns
lugares pediam para ler o texto,
queriam saber o que tinha
lá embora tivessem gostado
do tema. Em um primeiro
momento, chegavam a pensar
que falaríamos mal de pessoas
ou de governos. Porém, agora,
com o tempo e bastante gente
assistindo, fica bem claro que a
nossa intenção são as famílias,
o amor, que se respeite, receba,
acolha. E, mesmo assim, a
homofobia ainda atrapalha muito
os pedidos de patrocínios.


Você tem três filhos homens.
De que maneira os educou
para terem empatia com a
comunidade LGBT?
Não precisei educá-los para ter
empatia. Eles conviveram com
meus amigos LGBTs a vida toda.
Então, a questão nunca precisou
ser falada, discutida, não foi
preciso ensinar. Tive uma amiga
gay que morou em casa e até
hoje eles são parceiros. Não tem
por que ensinar, a menos que
você seja um babacão, mas não é
o caso da nossa família.


Além de atriz, também é
diretora. Você se sente mais
confortável em qual
das duas posições?
Me sinto mais confortável atriz,
porque é isso que está comigo a
vida inteira. Eu sou uma diretora
mais eventual. Ser atriz, acho, é
o meu primeiro lugar, quer dizer,
depois do meu lugar de mãe.

Deixando os atuais
personagens de lado, em seus
43 anos de carreira, qual foi o
personagem que disse algo que
você gostaria de falar?
No início da minha carreira, fiz
uma peça a partir de uma criação
coletiva chamada O Dia de São
Vatapá. Era o dia em que o morro
não descia para desfilar nas escolas
de samba da avenida e, apesar de
isso ter dois lados, na verdade, o
povo cansa, não quer ser o bobo da
corte. Claro, o Carnaval é lindo, é
fundamental para as cidades, mas
naquele momento foi muito bom
dizer aquilo. Estivemos em muitas
comunidades, foi impactante.
Assim como a montagem do
Despertar da Primavera, a primeira
realizada no Brasil, feita pelo Grupo
Pessoal Despertar. Nós falávamos
sobre sexualidade, masturbação,
perda de virgindade... Foi muito
importante para os adolescentes
daquela época. Eu tinha cerca de
20 anos.

Que grande desafio você
venceu na vida?
O grande desafio pelo qual
passei foi estar longe do meu pai
quando ele se separou da minha
mãe em um momento difícil da
minha adolescência. Fui muito
revoltada. Ele, que ainda está vivo,
era péssimo. Já faz tempo que vim
vencendo essa dor e, inclusive, a
dor de descobrir quem de fato era
essa pessoa. Foi um desafio forte,
mexeu com minha vida, a minha
adolescência, a minha cabeça. Foi
difícil passar por ali. Me senti traída
naquele momento.

E qual desafio ainda
pretende vencer?
Não diz respeito a profissão, mas
quero ficar mais magrinha e mais
saudável para me jogar no chão
com os meus seis netos e não sentir
dor na coluna na hora de levantar
[risos], porque eu adoro Nhá Benta
[gargalhada]!

Quais foram as grandes lições
que cada um dos seus filhos
ensinaram a você?
Diria que não tem a lição. Meus filhos
são minhas lições. Na verdade, talvez
sejam os meus professores, porque eu
sou muito enlouquecida, apaixonada
por eles. Passei por uma situação
muito difícil com meu filho mais velho:
ele estava na Fundição Progresso
[centro cultural e casa de espetáculos
do Rio de Janeiro] e uma barra de
ferro caiu em cima da cabeça dele.
Demorou um ano para recuperar a
fala, os movimentos. Foi uma lição de
superação, porque hoje ele é um cara
maravilhoso, terá o terceiro filho, é um
ator e autor incrível. Agora, do amor,
eu continuo aprendendo todos os dias
com eles, com meus netos. Filho é um
aprendizado eterno.

GLOBO/JOÃO MIGUEL JÚNIOR

A elegante e fiel
Ellen, a secretária
de Maria da Paz
na novela das 9,
A Dona do Pedaço
(Globo)

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