Leitura & Conhecimento - Ano 2 Número 05 (2019-07)

(Antfer) #1

Imagem: StephanHoerold/GettyImages


N


ascido na cidade suíça de Zurique, no
ano de 1884, Hermann Rorschach entrou
em contato, desde cedo, com os famosos
borrões de tinta que viriam a basear sua
maior contribuição para os estudos da psi-
canálise. Na infância, provavelmente inspirado pela profissão
de pintor e decorador de Ulrich, seu pai, gostava de um jogo
chamado Klecksografia – o qual garantiu, inclusive, o apelido
de Klex ao jovem Hermann –, que consistia em criar poemas,
histórias ou desenhos com base em uma série de manchas de
tinta borradas em uma folha de papel.
Aos 12 anos de idade, “Klex” perdeu a mãe e viu seu pai
se casar com uma tia. Ulrich faleceu quando Hermann tinha
18 anos e atravessava uma fase na qual decidia entre seguir
o estudo da arte ou da medicina, acabando por escolher a
última e se especializando em psiquiatria. Durante o perío-
do de formação, Rorschach viveu a ascensão do conceito de
inconsciente estudado pelo austríaco Sigmund Freud, outra
grande influência para Hermann. Terminou a graduação em
1909 e, em três anos, concluiu seu doutorado.

Psicodiagnóstico
Pouco depois de se casar, em 1910, Rorschach foi trabalhar
na clínica Munsterlingen, na qual utilizou seu contato com os
pacientes para começar os estudos sobre diferentes interpre-
tações do jogo Klecksografia. A pesquisa sistemática começou
por volta de 1911, e Hermann comparava os resultados obtidos
com os da aplicação da associação de palavras – método de
Carl Jung, que utilizava determinados termos como formas de
estímulos na busca por um diagnóstico envolvendo questões
emocionais. “Foi um período de ebulição na área de estudos
psicopatológicos devido à recém-fundação  da psicanálise
por Freud”, explica Regina Gioconda de Andrade, doutora
em psicologia.
Depois, ao lado do cientista suíço Hans Behn-Eschenburg
na clínica Herisau, passou a comparar resultados de esquizo-
frênicos com pessoas saudáveis. Era o início do trabalho que
eternizaria o nome de Rorschach, intitulado Psicodiagnóstico.
A ideia original era que 40 pranchas fossem aplicadas para
os resultados da pesquisa, mas devido ao elevado preço de
impressão da época o número diminuiu até chegar nas 10
que se mantém até hoje.
No teste, cada uma das pranchas possui uma mancha es-
pelhada que cria uma forma abstrata e simétrica. A maioria
delas se constitui de borrões pretos e cinzas com sombrea-
dos – resultados de um erro de impressão que acabou sendo
incorporado –, enquanto algumas apresentam detalhes em
vermelho e outras são inteiramente coloridas. Além da figura
que o paciente vê, o aplicador analisa se há relato de sensação
de movimento, assim como o sentido do mesmo (se parece
mover-se de dentro para fora ou o contrário).
O Psicodiagnóstico de Rorschach estava pronto desde 1920,
mas foi publicado apenas no ano seguinte, véspera de sua
morte, dadas as complicações com a quantidade de placas e

consuLToRia regina Gioconda de andrade, doutora em psicologia e coordenadora
do curso de psicologia da universidade do oeste Paulista (unoeste) de Presidente
Prudente (SP).
FonTes o Sistema de avaliação do desempenho no rorschach (Sadr) aplicação,
Codificação e interpretação, Manual Técnico, artigo de danilo r. Silva, publicado na
revista iberoamericana de diagnóstico y evaluación – e avaliação Psicológica, em 2015;
a resposta de Movimento Humano nos Protocolos de rorschach de artistas Pintores,
dissertação de mestrado de João Maria do amaral Torres, da universidade Federal do
Pará, publicada em 2009.

as consequentes reedições que Hermann teve que fazer. No
dia primeiro de abril de 1922 foi internado em Herisau com
peritonite (inf lamação causada por vazamento intestinal) e
faleceu no dia seguinte, com 37 anos de idade.

Manchas
A finalidade do Teste de Rorschach, assim como a
avaliação do profissional que o aplica, foi incrementada e
modificada diversas vezes, em parte devido à falta de evi-
dências concretas de funcionalidade clínica. Por se tratar
da exposição de figuras ambíguas, que não têm um sentido
claro, o teste permite que o paciente projete seu inconsciente
nas manchas, aplicando padrões mentais em situações em
que não há maneira certa e nem exemplos de como agir.
Segundo a psicóloga, “o modo como as manchas estão
estruturadas, a liberdade que o sujeito tem para dar as respos-
tas e o tempo indeterminado para respondê-las ‘convidam’
o sujeito a usar o potencial de sua inteligência e de suas
aptidões, além dos recursos internos de sua personalidade”.
Um dos pontos de questionamento é que, assim como o
paciente, quem aplica o Teste de Rorschach também está à
mercê das próprias interpretações. Se a pessoa viu um animal
que pode ser considerado perigoso pelo profissional, nas man-
chas, no ponto de vista do outro pode ser apenas uma figura
de fascínio, por exemplo. Por isso, as plaquetas manchadas
não são comumente usadas no diagnóstico de transtornos,
e sim como teste de personalidade ou uma ferramenta que
complementa as consultas psicológicas tradicionais.
“Outros dois segmentos importantes ao desenvolvimento
dos testes foram os problemas advindos da área educacional
e do trabalho”, complementa Regina. Desde 1905, quando
os psicólogos Alfred Binet e Théodore Simon inventaram o
Teste Binet-Simon – um dos mais antigos medidores de QI
(coeficiente de inteligência) –, os questionários psicológicos
são usados, muitas vezes, para identificar transtornos em
alunos ou definir critérios de aceitação em vagas de emprego.
Ou seja, no lugar de diagnosticar doenças, “o objetivo
do Teste de Rorschach é informar sobre a estrutura de
personalidade. Sugerindo também indicativos de focos de
possíveis conflitos”, como afirma a doutora que, no entanto,
ressalta: “A literatura aponta o Rorschach como um instru-
mento de avaliação de personalidade ainda ‘não acabado’.
Desde sua publicação, em 1921, até os dias de hoje, ele vem
passando por alterações”.

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