Leitura & Conhecimento - Ano 2 Número 05 (2019-07)

(Antfer) #1
Foi ainda na faculdade que entrou em contato com ideias de Sigmund
Freud, por meio de uma obra do pastor suíço Oskar Pfister sobre o psica-
nalista. Para Freud, “o paciente costumava trazer, através de seus sintomas,
situações vividas em sua tenra infância”, como afirma a psicóloga Denile
Lousada. Essa abordagem despertou o interesse do pediatra, que, a partir
de então, se afasta – e posteriormente critica – o caráter organicista da
medicina. Para Donald, os aspectos psicológicos eram tão importantes
para a saúde quanto o bom funcionamento dos órgãos.
Depois de graduar-se, Winnicott se muda para Londres e começa a
atender crianças como médico assistente no Paddington Green Children’s
Hospital, em 1923, onde se manteria pelos próximos 40 anos de sua vida – e,
segundo o mesmo, teria atendido cerca de 60 mil pacientes. Simultanea-
mente, devido ao interesse despertado durante seu período na faculdade
pela obra de Freud, decide iniciar uma análise com o psicanalista britânico
James Strachey, que inclusive traduzia textos de Sigmund para o inglês.

A psique dos bebês
Após manter as consultas com Strachey por dez anos, Donald se tor-
na psicanalista e começa, então, a voltar seu novo conhecimento sobre
a psique para seus pequenos pacientes. A primeira divergência entre
Winnicott e a psicanálise se deu pelo conceito do Complexo de Édipo.
Para Freud, o Complexo é a primeira barreira para o desenvolvimento
psicológico saudável, e ocorre entre os dois e os quatro anos de idade.
No entanto, Donald já vinha atendendo bebês em sua clínica há cerca de
dez anos, e sabia que as primeiras dificuldades podiam aparecer bem antes,
já durante a amamentação, por exemplo. A teoria winnicottiana considera
que o ambiente deve ser suficientemente favorável para que o pequeno
consiga desenvolver bem todas as suas capacidades – como o verdadeiro self.

self: verdadeiro ou falso?
Para Winnicott, os bebês têm algumas características psicológicas
especiais. Por exemplo, ao nascer – e durante os primeiros meses – os
seres humanos não conseguem diferenciar o “eu” do “não-eu”, ou seja, o
mundo interior é a mesma coisa que o mundo exterior. Isso cria a sensação
de onipotência, pois as necessidades do pequeno são sanadas rapidamente
por uma força que ele acredita vir dele mesmo.
Aí está um dos pontos mais importantes para a psique infantil, segundo a
teoria winnicottiana: essa ideia de onipotência deve ser frustrada, para que
o indivíduo cresça, mas de uma maneira que ele não se sinta ameaçado. Por
quê? Segundo o famoso pediatra, as características internas do ser humano,
logo ao nascer, estão dispersas; não existe unificação do que o bebê sente,
seja interna ou externamente. Dessa maneira, a mãe deve oferecer um ego
auxiliar, que ajuda a psique a unir esses aspectos “soltos” e definir o que é
“eu”, “outro” e “objeto”. Dessa forma, a criança irá passar de uma depen-
dência absoluta do ambiente (mãe/cuidador) a uma dependência relativa.
Quando não existe o ego auxiliar, o pequeno percebe o mundo externo
como uma ameaça. Então, começa a entender sua própria experiência de vida
como uma sequência de reações ao perigo, na tentativa de se proteger. O self
do bebê, ainda em desenvolvimento, começa então a criar uma espécie de
máscara para se adequar ao ambiente hostil. A essa “máscara”, Winnicott dá
o nome de falso self, ou falso eu (tradução livre), que se confunde e esconde
as verdadeiras características daquele ser – essa é uma das principais causas
Imagem: Reproduçãode neuroses e transtornos psicológicos, segundo a psicanálise.


TendênciA
AnTissociAl
No começo da Segunda Guerra
Mundial, Winnicott foi psiquiatra
consultor de um plano de
evacuação governamental de
uma área em Londres. Neste
período, Donald conseguia
analisar de perto a dor de muitos
bebês, crianças e adolescentes.
Os lares sendo desfeitos e
as separações de familiares
colocaram o pediatra no meio
das situações que estudava
como as mais prejudiciais ao
desenvolvimento humano.
Foi então que formulou
o conceito de tendência
antissocial, um conjunto de
comportamentos que incluem
mentiras, rebeldia excessiva,
agressividade, roubos, entre
outras ações prejudiciais ao
indivíduo e à sociedade. Donald
acreditava que, nessas pessoas,
houve a perda de alguma relação
materna benéfica em um período
que o bebê se encontrava em
dependência relativa.
Ou seja, o mundo interno já está
consolidado na criança, mas ela
ainda dependia de ajuda para
lidar com o mundo externo.
Sem esse suporte, ela passa a
ver esse ambiente como uma
falha que precisa ser melhorada,
destruída, ignorada, etc. Surge a
tendência antissocial.

FONTE a rtigos a constituição da tendência anti-
social segundo Winnicott: desafios teóricos e
clínicos, por josé Sterza justo e luis guilherme
coelho buchianeri na revista de psicologia
da uneSp, em 2010; a trajetória intelectual
de Winnicott, por elsa oliveira dias ao portal
pepsic (periódicos eletrônicos em psicologia), em
2002; um olhar para Winnicott: o ambiente e a
dependência, publicado por isabel de oliveira
castro lemgruber na biblioteca digital maxwell
da pontifícia universidade católica (puc) do rio
de janeiro, em 2005.

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