ENTREVISTA
o cargo. Dois em menos de seis meses, o que evidencia
algo perdido, como se não estivessem certos do que de-
vem ou não fazer. Os escolhidos até agora não conhecem o
Brasil. Tampouco conseguem dimensionar a complexida-
de do sistema educacional. Ignoram o fato de que União,
estados e municípios devem ser um sistema educacional
único, que inclui as universidades, e as decisões federais
não devem ter como objetivo exclusivo o desejo de satis-
fazer os imediatismos políticos do governo. Os ministros
da Educação deste governo não são gestores por conceito
e, muito menos, especializados em administrar qualquer
coisa relacionada à educação. Não percebem uma obvie-
dade: em um sistema imenso como o nosso, altamente
compartilhado por instituições e repartido em vários ní-
veis de gestão, tentar impor medidas sem buscar o enten-
dimento com essas instâncias gera apenas divisão, reação,
imobilidade – e mais nada. Nada. Para além de trabalhar
em equipe, é preciso planejar a parceria. Dialogar com or-
ganizações, educadores, secretários estaduais e munici-
pais, e não apenas com abrigados, grupos políticos favorá-
veis e atores midiáticos que apoiam o governo.
Estão distantes da agenda necessária?
Parece evidente que sim. No MEC, estão mais preo-
cupados com ideologia, em dar respostas ideológicas
sem qualquer conhecimento ou respaldo técnico, ape-
nas para satisfazer politicamente seus grupos de apoio.
Em vez de convocar o setor para o diálogo, o ministro
anterior se limitou, e o atual se limita, a pressionar rei-
tores, educadores, gestores educacionais e os brasilei-
ros com uma sucessão de ameaças despropositadas. E
também de atitudes menores, inócuas, que poderiam
ser risíveis não fossem constrangedoras. Veja o caso do
ex-ministro (Vélez) que pediu gravações de estudantes
cantando o Hino Nacional, como se isso fosse resol-
ver alguma coisa, ainda que mínima, na Educação. O
respeito ao símbolo pátrio é obviamente importante,
sabemos todos disso desde sempre. Mas como alguém
acredita que pode se valer de cargos para submeter
toda a sociedade a uma postura relacionada a isso des-
sa forma constrangedora? É inaceitável.
É possível retomar o caminho correto?
O que temos é um governo e um MEC desorientados.
Não sabem o que fazer. Se não tomarem medidas sérias
imediatamente – renovar e fortalecer o Fundeb, solidi-
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ção dos professores à luz da BNCC, estruturar o ensi-
no médio, entre outras coisas – não sei aonde vamos
parar. Houve falhas, deixamos coisas importantes pelo
caminho, mas a educação brasileira apresentou avan-
ços inegáveis de 1992 a 2018. Se as questões que coloco
não forem encaradas com seriedade, há o risco de ocor-
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são a um estágio ainda pior. O antropólogo, sociólogo
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Educação deve preparar o ser humano para ser, ao mes-
mo tempo, um cidadão local e mundial. O governo atual
igno ra esses princípios da mundialização. Olha exclusi-
vamente para si mesmo, como se estivéssemos em um
planeta distinto da Terra globalizada.
Murílio Hingel
O governo não
percebe uma
obviedade: impor
medidas sem buscar
o entendimento
gera apenas divisão,
reação e imobilidade
- mais nada
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