College, Londres) observou que a Páscoa é um quase cristal temporal — um comentário
enigmático que logo explicarei.
A data da Páscoa muda de ano em ano, por diversos motivos históricos. Em primeiro lugar,
deve ser num domingo, porque a crucificação ocorreu numa sexta-feira e a ressurreição no
domingo. Por ter ocorrido no mesmo dia que a Pessach judaica, celebrada uma semana após a
primeira lua cheia da primavera no hemisfério Norte, a Páscoa deve estar relacionada a ela.
Assim, a data da Páscoa foi ligada a vários ciclos astronômicos distintos, e é aí que
surgem as verdadeiras dificuldades. O mês lunar tem atualmente cerca de 29,53 dias, e o ano
solar, cerca de 365,24 dias. Isso leva a 12,37 meses lunares por ano, uma relação
inconveniente, pois não se trata de um número inteiro. Portanto, temos que 235 meses lunares
correspondem bastante bem a 19 anos solares, e o sistema da Igreja para determinar a data da
Páscoa explora essa coincidência.
Em 325 d.C., o Concílio de Niceia decidiu que a Páscoa deveria cair no primeiro domingo
após (mas não no mesmo dia que) a primeira lua cheia que ocorresse no, ou depois do,
equinócio de primavera no hemisfério Norte. Esse é o dia de março no qual noite e dia têm a
mesma duração: tornam-se novamente iguais no equinócio de outono, que ocorre em setembro.
Além disso, por convenção, ficou definido que o equinócio de primavera seria no dia 21 de
março. No entanto, esse foi apenas um dos eventos fundamentais de uma história complexa,
como veremos. Nos anos bissextos, o verdadeiro equinócio poderia cair ocasionalmente no
dia 22 de março: essa possibilidade foi ignorada. Naquele tempo, o ano se baseava no
calendário juliano, que continha um ano bissexto a cada quatro; presumia-se que as luas cheias
se repetiam exatamente a cada 19 anos julianos de 365 e 1/4 dias. Certo malabarismo com as
convenções do calendário para os meses lunares fez com que esse período fosse igual a 235
meses lunares de 29 ou 30 dias (ocasionalmente 31, num ano bissexto). O ciclo se repetia
exatamente a cada 76 anos — quatro ciclos de 19 anos, após os quais o padrão dos anos
bissextos se repetiria. O princípio matemático é o de que dois ciclos formados por números
inteiros de dias devem ser repetidos uma quantidade de vezes igual ao seu menor múltiplo
comum até que os dois ciclos voltem ao que eram originalmente, e 76 é o mínimo múltiplo
comum de 19 e 4.
O período de 19 anos foi chamado de ciclo lunar, e a posição do ano nesse ciclo era
indicada pelo chamado número áureo, que corria de 1 a 19, recomeçando então do 1. As datas
da Páscoa se repetiam num ciclo de 532 anos.
Era um sistema ordenado, mas infelizmente a matemática não respeitava precisamente as
verdadeiras durações do mês lunar e do ano solar; assim, com o passar do tempo, o calendário
começou a se desviar em relação às estações. (O famoso escritor Dante Alighieri observou
que, em algum momento, janeiro não mais seria um mês de inverno no hemisfério Norte.) A
discussão prosseguiu por mais mil anos, até 1582, quando o papa Gregório reformou o
calendário civil, omitindo os anos bissextos nos anos que fossem múltiplos de 100, a não ser
nos múltiplos de 400, que continuariam a ser bissextos (como ocorreu com o ano 2000, por
exemplo). Para corrigir o desvio anterior, foram omitidos dez dias entre 4 e 15 de outubro.
Gregório foi aconselhado pelo astrônomo Clávio, de cuja atenção escapavam
pouquíssimos fenômenos relevantes. Além de conter o número áureo, o procedimento de
cálculo da Igreja inclui um segundo valor chamado de epacta, um número inteiro entre 1 e 30
que fornece a idade presumida da Lua (começando em 0 = 30 = lua nova) em dias,
imediatamente antes de 1o de janeiro do ano em questão. Ao começo de cada século, o ciclo de
epactas é revisto, mas o ciclo de números áureos prossegue sem perturbações. A escolha da
epacta corrige os erros do calendário juliano e também o fato de que 235 meses lunares não
correspondem exatamente a 19 anos solares. Tais correções não ocorreram em 1900, 2000 nem
2001, mas em 2002 foi necessária uma correção.