Obtemos o resto 1 na décima potência, e esse é o número correto de etapas para
ressuscitarmos um baralho de 10 cartas.
Essa regra funciona em todos os casos. Não precisamos executar todo o cálculo de maneira
tão trabalhosa: basta começarmos com 2, duplicarmos este valor repetidamente e encontrarmos
o resto da divisão por um número uma unidade acima do tamanho do baralho, seguindo em
frente até encontrarmos um resto 1. Um resultado geral da teoria dos números conhecido como
o pequeno teorema de Fermat — descoberto pelo grande teórico dos números francês Pierre
de Fermat, mais famoso por seu “último teorema”, provado recentemente, de maneira gloriosa,
por Andrew Wiles (Universidade de Princeton) — determina que esse processo chega ao resto
1 após um número de etapas igual a, no máximo, o tamanho do baralho.
Como embaralhar as cartas para fora é o mesmo que embaralhá-las para dentro num
baralho com duas cartas a menos, podemos aplicar a mesma regra, mas agora devemos
subtrair uma unidade do tamanho do baralho e encontrar os restos da divisão de potências de
2 por esse valor. Num baralho comum de 52 cartas, os números relevantes são 52 quando
embaralhamos para dentro, mas apenas 8 quando as embaralhamos para fora.
Em Mathematical Carnival, Martin Gardner sugere um método prático para testarmos
esses resultados — trabalhando para trás. Até um ilusionista experiente tem dificuldade em
embaralhar as cartas perfeitamente uma só vez, que dirá várias vezes seguidas. Porém, o
método de Gardner é mais fácil de seguir: basta darmos as cartas alternadamente para duas
pessoas e depois empilharmos o conjunto de cartas que receberam um sobre o outro. Assim
como podemos embaralhar as cartas para dentro ou para fora, podemos dá-las para dentro ou
para fora, com resultados inversos. O número de etapas necessário para ressuscitar a ordem
original do baralho é o mesmo, quer embaralhemos ou demos as cartas.
Muitos truques de cartas exploram as regularidades do método de embaralhamento
discutido neste capítulo. A coluna de Gardner na edição de agosto de 1988 da Scientific
American trouxe um truque que funciona mesmo que você embaralhe mal as cartas! O que vou
apresentar utiliza um número ímpar de cartas — embora comece com um baralho de 20.
Entregue o baralho à sua vítima, vire-se de costas e peça-lhe que as embaralhe (usando
qualquer método) e depois insira o curinga, lembrando-se das duas cartas entre as quais o
curinga entrou. Vire-se de frente e apanhe o baralho — que agora tem 21 cartas — com as
cartas voltadas para baixo. Embaralhe-as para dentro ou para fora e deixe que a vítima corte o
baralho; repita o processo. Abra as cartas num leque, segurando-as de modo que a sua vítima
possa ver suas faces e você não, e peça-lhe que retire o curinga. Corte o leque nesse ponto,
formando dois grupos de cartas, e empilhe-as novamente, invertendo a ordem em que estão.
Embaralhe as cartas duas vezes para fora e uma vez para dentro, apóie o baralho na mesa,
virado para baixo. Peça à vítima que diga quais eram as duas cartas que memorizou. Vire a
primeira carta do baralho: será uma delas. Vire o baralho inteiro: a carta de baixo é a outra.
A questão mais difícil resolvida pelo trabalho de Diaconis, Graham e Kantor é a seguinte:
quais rearranjos de um baralho de 2n cartas é possível obter usando sequências arbitrárias de
embaralhamentos para dentro e para fora? Os resultados dependem de n, de um modo muito
curioso. Se n for uma potência de 2, o número de rearranjos é relativamente pequeno (k 2 k se n
= 2k). Se não, o número de rearranjos é bem maior, embora ainda menor que todas as (2n)!
possibilidades. O número exato depende da forma de n: 4m, 4m + 1, 4m + 2 ou 4m + 3 para m
inteiro. Além disso, os casos n = 6 e n = 12 são excepcionais, por não seguirem o padrão
geral, que se aplica aos demais casos. Desculpe, a matemática muitas vezes é assim — mesmo
quando existe um padrão, ele pode se dividir em várias partes e pode haver algumas exceções,
geralmente no início. Se você quiser conhecer os detalhes, leia o belo artigo desses autores.