Indecente.
Imoral.
Obsceno.
Lora Haddock sabia que sua empresa poderia ser
controversa em alguns círculos. Afi nal, ela estava
abrindo uma empresa de tecnologia voltada ao prazer da
mulher e projetando um produto sexual que simula
todos os movimentos de um parceiro humano.
Melhor ainda, o dispositivo estimula o clitóris
e a vagina simultaneamente, sem a necessidade
de usar a mão para mantê-lo no lugar.
Lora achou que o mundo da tecnologia estava pronto
para um produto que era em parte um robô e em parte
um vibrador, totalmente voltado ao prazer sexual da
mulher. O Osé (pronuncia-se “ozê”), que ela designou
como carro-chefe da sua empresa, tinha 52 exigências
complexas de engenharia, bem como muitas patentes
pendentes antes de poder chegar ao mercado. Lora
sabia que o produto era algo especial – e inovador
- porque nele foi usada a mais moderna tecnologia
para dar às mulheres o que elas tanto querem.
A Consumer Electronics Show (CES – uma feira de
tecnologia e inovação) concordou e informou Lora,
no segundo semestre do ano passado, que daria ao
Osé o prêmio de inovação na categoria robótica e
drones de 2019. Mas, antes mesmo de a tinta secar
no comunicado sobre a premiação, a CES voltou
atrás. “Ficamos de queixo caído”, conta Lora.
Em uma carta que ela mostrou à Women’s Health, a
CES citou termos escritos em letras miúdas: “Produtos
considerados pela entidade responsável, à sua discrição,
como imorais, obscenos, indecentes, profanos ou
que não estejam em conformidade com a imagem
da entidade serão desqualifi cados”. É claro que não
se importaram com o fato de que tanto expositores
atuais como do passado tenham feito demonstrações
de realidade aumentada pornográfi ca e até mesmo
uma boneca sexual robótica que faz sexo oral.
O tratamento desigual irritou Lora, que
imediatamente respondeu com uma carta aberta à
CES, na qual escreveu: “Vocês não podem alegar que
são imparciais se permitem a exibição de um robô
sexual para homens, mas não um equivalente cujo foco
é a vagina”. Em outras palavras, a entidade não tinha
problemas em ajudar os homens a terem orgasmos, mas
as mulheres, sim. A mensagem implícita é a de que a
saúde sexual das mulheres não é digna de inovação.
Meses se passaram após aquele balde de água fria.
Então, felizmente, a CES concedeu novamente o
prêmio à Lora, em maio de 2019, declarando que
“reconhecemos a tecnologia inovadora que foi
usada no desenvolvimento do Osé e reiteramos
sinceras desculpas à equipe da Lora”.
Discriminação sexual
Como mostra esse fi asco, na nossa cultura voltada
à ereção masculina, o orgasmo feminino continua
sendo um tabu. Não há problema em conseguir ter
um orgasmo quando isso é proporcionado ao homem,
mas, se uma pessoa que se identifi ca como alguém do
sexo feminino tiver um orgasmo proposital, as demais
pessoas começam a se revirar (e não no bom sentido).
“Há uma supervalorização do prazer sexual
masculino e uma desvalorização do prazer sexual
feminino”, afi rma Laurie Mintz, professora
de psicologia na University of Florida (EUA) e
autora do livro Becoming Cliterate: Why Orgasm
Equality Matters And How to Get It [em tradução
livre, Entendendo a Sexualidade Feminina: Por
Que a Igualdade nos Orgasmos É Importante e
Como Tê-los]. E esse desequilíbrio, mais do que
tudo, está contribuindo para impulsionar o que
os pesquisadores chamam de orgasm gap, ou a
disparidade na frequência com a qual homens e
mulheres têm orgasmos. Uma grande pesquisa
feita com adultos norte-americanos mostrou
que quase 95% dos homens tiveram um orgasmo
durante seu último encontro sexual com a parceira
comparado a apenas dois terços das mulheres.
E essa diferença aumenta quando o sexo
ocorre fora de um relacionamento, pois nessas
circunstâncias os homens podem sentir que não
precisa haver prazer recíproco, e as mulheres
podem não saber como abordar o assunto.
O impacto é sentido muito além de quatro paredes.
Não ter um orgasmo não só signifi ca que não
desfrutamos os benefícios que isso traz para a saúde,
como melhora do humor, um sono mais profundo,
alívio de dores de cabeça e pele viçosa, mas também
que estamos perdendo uma experiência humana
fundamental que é, além de tudo, prazerosa.
Estamos diante de uma cultura do sexo casual sem
imparcialidade de gêneros, com pouco fi nanciamento
para pesquisa, regras hipócritas para publicidade
(falaremos disso adiante) e tantas outras coisas.
Mas a notícia promissora é a de que as mulheres
estão revidando e assumindo o controle do seu
corpo e da sua vida sexual – defi nitivamente.
66 WOMEN’S HEALTH / Agosto 2019