National Geographic - Portugal - Edição 222 (2019-09)

(Antfer) #1

60 NATIONALGEOGRAPHIC


O discurso assinalou o final de uma verdadeira-
mente bizarra reformulação da marca do Árctico,
em curso há mais de uma década. Aquilo que ou-
trora se considerava um território gelado e árido é
agora descrito, por norma, como fronteira emer-
gente. O Árctico está aberto ao negócio.
Durante a maior parte da história da humani-
dade, o mundo acima da fronteira de 66 graus de
latitude norte permaneceu em grande parte afas-
tado do comércio de grande escala. Há muito que
exploradores, especuladores e cientistas acredi-
tam na existência de recursos e rotas de navega-
ção ocultos sob o gelo e a neve do Árctico, mas a
verdadeira natureza dessa riqueza manteve-se
obscurecida pelo mesmo frio mortífero, pela es-
curidão debilitante e por enormes distâncias que
impediam a sua exploração.
Actualmente a paisagem árctica é mais verde,
tem menos renas, mais mosquitos e verões mais
quentes. A alteração mais perturbadora vem do
mar, onde o gelo marinho de Verão (a extensão
flutuante que reveste a maior parte do oceano
glacial Árctico durante o breve degelo da região)
tem estado a desaparecer a um ritmo alucinante.

Agora, o governo canadiano procederá a uma
reavaliação dos vigilantes. Rumores de uma cor-
rida internacional para apresentar novas reivin-
dicações sobre o Árctico e os seus recursos desa-
proveitados tinham impulsionado os políticos em
Otava a prometer aos vigilantes melhor equipa-
mento e mais fundos para recrutar operacionais.
Entretanto, funcionários das forças armadas dos
EUA mostraram-se igualmente interessados no
programa, tendo em vista a criação de algo seme-
lhante no Alasca.
Marvin Atqittuq ficou satisfeito com tanta
atenção. Criado no Árctico e criando agora o seu
próprio filho na região, compreendia bem as di-
ferentes atitudes que o governo distante poderia
assumir – presenciara actos de governação ami-
gáveis, caprichosos e, sobretudo, esquecidos.
Desta vez, após anos de ignorância sobre o facto
de o Árctico estar a aquecer mais depressa do que
qualquer outro lugar do planeta, o Canadá estava
finalmente a reconhecer a situação.
“Nós, os inuit, falamos nas alterações climáti-
cas há muito tempo”, contou Marvin antes de nos
dirigirmos à tundra. “Agora, o governo está a re-
cuperar o tempo perdido e quer-nos como vigilan-
tes. Muito bem, de acordo. Somos canadianos com
orgulho.” E fazendo uma careta risonha: “Gostava
só quefôssemossuficientemente canadianos para
termosumaboarede telefónica, o que acha?”


O INÍCIO DE MAIO, o secre-
tário de Estado dos EUA,
Mike Pompeo, deslocou-se
a Rovaniemi, na Finlândia,
para discursar perante o
Conselho do Árctico, uma
organização composta
pelos oito países limítrofes
doÁrcticoe porrepresentantes dos povos indíge-
nas da região. Ao longo de aproximadamente vinte
anos, o conselho tem estimulado o debate colegial,
a cooperação e a consolidação de uma perspectiva
progressiva sobre as alterações climáticas. A com-
parência de Pompeo, como emissário de uma
administração que se tem oposto a esta atitude,
constituiu um momento de desconforto.
“Esta é a altura de a América se erguer como
país do Árctico e em prol do futuro do Árctico”,
declarou Pompeo, num evento realizado na noi-
te anterior à reunião oficial. “Ao contrário do que
muitos julgavam ser apenas uma árida região
remota... o Árctico está na vanguarda das opor-
tunidades e da abundância.”


N
Free download pdf