National Geographic - Portugal - Edição 222 (2019-09)

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Embora esta camada flutuante recue sempre
nos meses de Verão e volte a crescer com o re-
gresso do frio, a actual escala da perda de gelo
não tem precedentes e, na opinião de alguns in-
vestigadores, está a acelerar. Segundo cálculos
da NASA, o Árctico perde, em média, 54 mil qui-
lómetros quadrados de gelo por ano e os peritos
que prepararam a Avaliação Climática Nacional
de 2014 prevêem que o oceano Árctico se encon-
tre sem gelo durante o Verão antes de 2050.
“Está tudo a acontecer muito mais depressa
do que se pensava”, afirmou Michael Sfraga, di-
rector do Instituto Polar do Wilson Center, em
Washington. “Há um oceano a abrir-se diante
dos nossos olhos, em tempo real.”
A disputa ao longo da nova fronteira não con-
sistirá em reivindicações de novos territórios.
À excepção de um punhado de territórios, na sua
maioria situados no leito marinho e que incluem
o próprio Pólo Norte, as fronteiras do Árctico
encontram-se definidas. Em contrapartida, os
países e as empresas desenvolvem agora esfor-
ços no sentido de garantir para si uma fatia dos
biliões de euros em minerais, incluindo ouro,
diamantes e metais de terras raras, petróleo, gás
natural e peixe, bem como o acesso às novas ro-
tas de transporte naval de mercadorias, poten-
cialmente mais baratas.
A Rússia e a Noruega têm sido as nações mais
activas no Árctico, despendendo milhares de
milhões ao longo da última década em infra-es-
truturas para extracção de petróleo e gás natu-
ral, portos de águas profundas e navios capazes
de atravessar as águas ainda geladas do oceano
Árctico. Entretanto, a China tem procurado as-
segurar a sua presença na região, apoiando os
projectos de gás da Rússia e oferecendo emprés-
timos para desenvolvimento a outros países do
Árctico. Os chineses estão também a construir
a sua própria frota de navios quebra-gelos, uma
aposta clara no futuro por parte de um país si-
tuado a mais de quatro mil quilómetros do pólo.
Em contraste, a maior parte dos países oci-
dentais, incluindo o Canadá e os Estados Unidos



  • que, em conjunto, controlam quase metade da
    orla costeira do Árctico – têm praticamente igno-
    rado o Norte. Os EUA possuem apenas cinco que-
    bra-gelos em funcionamento (comparados com os
    51 da Rússia) e nenhum porto de águas profundas
    a norte do círculo polar árctico. A narrativa da
    nova fronteira tem sido acompanhada por outra,
    de conflito iminente e talvez mesmo a possibi-
    lidade de uma nova guerra fria. Estes receios, fi-


nalmente sentidos nos EUA, foram a verdadeira
razão que motivou a comparência de Pompeo no
Conselho do Árctico. “A região tem sido palco de
poder e concorrência”, afirmou. “Estamos a en-
trar numa nova era de compromisso estratégi-
co... completada por novas ameaças ao Árctico e
ao seu património, bem como a todos os nossos
interesses nessa região.”
O problema, evidentemente, é que se Pompeo
queria pensar no Árctico como uma arena, onde
poderiaserdisputada uma corrida, alguns paí-
sesjálevamumgrande avanço.

A ILHA DO REI GUILHERME,
os vigilantes viajaram para
oeste, formando uma
longa fila de motos-de-
-neve. Alguns traziam tre-
nós de madeira a reboque,
carregados de alimentos,
equipamento de cam-
pismoe equipamento militar. Juntei-me à procis-
são, conduzindo uma moto emprestada. Após
várias horas gélidas de condução, chegámos a um
lago gelado chamado Kakivakturvik.
Sob feixes de luz brilhante projectados por lan-
ternas e faróis, os vigilantes espalharam-se pelo
lago e começaram a montar grandes tendas so-
bre o gelo. Arrastaram até ao local peles de rena e
oleados, depois colchões de espuma, sacos-cama
e geleiras carregadas de comida.
Pouco depois, as tendas brilhavam com a luz
das lanternas e escutava-se o som dos fogões de
querosene. Chávenas de chá fumegantes eram
passadas de mão em mão e contavam-se histórias
sobre cães de trenó. Depois, regressámos ao ex-
terior. Formando pequenos grupos, os vigilantes
distribuíram-se pelo lago, abriram buracos com
meio metro de espessura no gelo e lançaram re-
des de pesca na água negra.
Em todo o Árctico canadiano, as patrulhas de
vigilantes combinam os exercícios militares com
actividades tradicionais como a caça e a pesca,
que ainda constituem uma parte necessária da
vida no Norte. Nos dias que se seguiram, o grupo
de Marvin tentou conjugar estas actividades com
tarefas militares como exercícios de navegação e
formação em dispositivos de GPS.
Ventos fortes sopravam vindos do mar gela-
do. Um manto de nuvens pairava sobre a tundra.
A temperatura subiu até ao ponto de congelação,
mas depois precipitava-se para valores reduzidos.
Tudo isto era típico dos finais de Novembro.

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