Clipping Jornais - Banco Central (2022-04-24)

(Antfer) #1

Ricardo Araújo Pereira - Chá de lixo


Banco Central do Brasil

Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustrada
domingo, 24 de abril de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Ricardo Araújo Pereira Humorista, membro do
coletivo português Gato Fedorento. É autor de 'Boca do
I


Escutem o que diz Giulio Boccaletti, da Universidade de
Oxford, e depois digam que é má vontade minha. O
autor do livro 'Água: Uma Biografia', afirma: a água que
hoje bebemos já passou pelos rins de um dinossauro.


É isto, amantes da natureza, o que a natureza tem para
nos oferecer. Sempre a mesma água, do início dos
tempos até hoje. Evapora, condensa, precipita.
Evapora, condensa, precipita. Às vezes a gente protesta
num bar se nos dão um copo sujo. A natureza anda a
servir a mesma água há milênios e ai de quem a
critique, porque a natureza é muito bela.


Será, mas asseada não é. Estamos a beber águas que
se evaporaram no passado. O copo de água fresquinho
que nos mata a sede hoje pode ter banhado os genitais
de Napoleão há 250 anos. A linda cascata que nos
encanta agora foi, muito provavelmente, urina de uma
vaca do século 19, e já tinha sido um charco fétido na
Idade Média.


Eu não acredito na reencarnação, exceto na da água. É
reenaguação. E pedem-me que ame a natureza.
Ninguém que eu amo me ofereceria um coquetel de
esgoto antigo, urina velha e riacho sujo.

Devemos respeitar a natureza, não há dúvida. Mas
também não custava que a natureza nos respeitasse de
volta.

E não me façam falar sobre o movimento de rotação da
Terra. A translação ainda se tolera. A rotação parece-
me um excesso de ornamento brega. Sempre a andar à
roda. Para quê? É um planeta ou um carrossel?

Outra: certas tartarugas respiram pela bunda. Que
interesse tem isso? Terá valido a pena aplicar
complexos recursos de engenharia biológica para obter
esse efeito? Essa espécie particular de tartaruga está
em vias de extinção.

As que respiram pelo nariz, curiosamente, vivem
bastante.

Nós também temos culpa, claro. Não sabemos
interpretar as idiossincrasias da natureza. Sabem
quantas pessoas morrem por ano por causa de veados?
Cerca de 200. Eles vêem um carro e param,
provocando acidentes mortais.

Quantas pessoas morrem por ano por causa de cobras?
Cinco e meia. Devíamos ter pesadelos com o Bambi,
não com os animais responsáveis pela morte de apenas
cinco pessoas e meia. Aquela meia pessoa que elas
matam, provavelmente as cobras estão fazendo um
favor: Sobretudo se ela for só a metade de baixo.

Tudo isto me deixa tão enervado que eu deveria beber
um chá, para acalmar. Mas, tendo em conta o que a
água é, só me irritaria mais.

COLUNISTAS
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