Clipping Jornais - Banco Central (2022-04-24)

(Antfer) #1

DORRIT HARAZIM - Encontro marcado


Banco Central do Brasil

Jornal O Globo/Nacional - Opinião
domingo, 24 de abril de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: DORRIT HARAZIM


Que ninguém se engane: é fake o desdém ostentado
feito dragona pelo ministro-presidente do Superior
Tribunal Militar (STM) ao comentar áudios inéditos em
que antigos juizes da Corte analisam a prática da tortura
durante a ditadura militar. Ao contrário do pretendido
menosprezo pela importância das gravações, o
estrelado general de exército Luis Carlos Gomes Mattos
acabou revelando sem querer quanto elas são
relevantes. As fitas são, sim, indigestas para as Forças
Armadas, por colocar de volta na agenda da História
seu inevitável encontro com a tortura no regime militar.
Encontro marcado, mas sempre adiado.


Em sua curta referência ao tema na sessão do STM da
terça-feira, Mattos apostou na eficácia do deboche
como arma diversionista. Na véspera, outro general,
também de quatro estrelas, mas da reserva, havia dado
o tom da delinquência moral: 'Os caras já morreram
tudo, pô. Vai trazer os caras de volta do túmulo?',
dissera o vice-presidente, Hamilton Mourão, com seu
notório cinismo para crises em combustão, de que
procura distância. Mourão optou por chocar ao máximo


com seu dar de ombros calculado e tentar sair de
fininho. O magistrado Mattos, pelo próprio cargo que
ocupa, foi catapultado a responder pelo continuado
acobertamento militar dos crimes praticados.

Falando em tom e linguagem de milico quase
caricatural, o general do STM brava-teou que sua
Páscoa não foi estragada pela emergência das fitas.
'Não temos resposta nenhuma a dar. Simplesmente
ignoramos...', arrostou. Não deve ter percebido, por ser
mesmo tosco, que respondera, e de forma transparente:
a Corte de 2022, tendo por presidente da República o
capitão Jair Bolsonaro, pretende manter enterradas a
tortura e a história militar da ditadura. De preferência,
para sempre. Salta aos olhos a incongruência do Brasil
de aspirações democráticas ter um STM com prazo de
validade vencido há longo tempo.

O dramaturgo chileno Ariel Dorfman é conhecido por
mergulhar nas profundezas, silêncios e traumas de
ditaduras. Em entrevista recente ao jornal O Estado de
S. Paulo, ele falou de uma de suas obras mais
celebradas, 'A morte e a donzela', que trata de tortura e
perdão. Ela foi escrita em 1990, pouco após a extinção
do regime ditatorial de Augusto Pino-chet. Dorfman
relembra que, pelo acordo de transferência do poder
militar ao civil, concentrou-se em investigações capazes
de esclarecer, primeiro, os crimes da ditadura que
resultaram em mortes. (Computados até hoje, são três.
No total, entre mortos, desaparecidos, torturados ou
presos políticos, o número sobe para 40.018 vítimas.)
Ficou faltando o levantamento dos crimes cometidos
contra quem conseguiu sobreviver. Resultado: milhares
de vivos que imaginavam ter as vozes ouvidas com a
chegada da democracia foram relegados ao silêncio.
'Senti que este era o grande drama do meu país: a
coexistência de vítimas e perpetradores em clima de
impunidade e esquecimento', contou Dorfman.

Também no Camboja atual, toda uma geração ainda
cruza diariamente com os remanescentes do regime
Khmer Vermelho (1975-1979), responsável pelo
extermínio de 1,5 milhão a 2 milhões de seus
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