Clipping Jornais - Banco Central (2022-04-24)

(Antfer) #1

MARCELO BARRETO - O carnaval em dia de esporte


Banco Central do Brasil

Jornal O Globo/Nacional - Esportes
domingo, 24 de abril de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: MARCELO BARRETO


A coluna de hoje saúda o povo e pede passagem para
falar de carnaval. E que voltei à Sapucaí para o primeiro
dia de desfiles do Grupo Especial, uma experiência que
concentrou num dia o que o esporte viveu ao longo dos
últimos dois anos. Para as escolas de samba, o
reencontro com o público foi, digamos, menos gradual:
houve ensaios nas quadras e os técnicos, na avenida,
mas o equivalente ao retorno aos estádios se deu de
uma vez só - o que, evidentemente, aumentou a carga
de emoção e dramaticidade.


O primeiro impacto, na caminhada pela Presidente
Vargas, é o do reencontro de milhares de vidas. Cada
fragmento de conversa ouvido na concentração revela
um pouquinho do caminho que os componentes
percorreram para poder estar ali, de novo, mais de dois
anos depois. Em seguida vem a renovada surpresa de
algo que pode parecer óbvio, mas é sempre encantador:
ninguém esquece como se faz um carnaval. Aquelas
peças todas se encaixam para uma noite de desfiles em
que há, sim, muitos pequenos erros, mas que
contraditoriamente se juntam para formar um enorme


acerto.

Aqui a comparação com o esporte esbarra numa
dificuldade: não há uma separação tão marcada entre
quem faz o espetáculo e quem o assiste. O desfilante é
jogador e torcedor. E quem não está na avenida (como
os bicões e penetras, que voltaram com força total,
usando suas credenciais de forma ilegítima para
congestionar os desfiles enquanto posam para seus
perfis nas redes sociais) tem mais possibilidades de
interagir do que num estádio. Eu, por exemplo, vou de
frisa - um lugar encantador, mas que infelizmente vem
perdendo espaço para a cam a rotização do
Sambódromo. No nível da pista, temos o privilégio de
ficar cara a cara com os componentes; por isso, faz
parte da etiqueta saber as letras de todos os sambas de
enredo, porque é cantando que compartilhamos da
alegria deles.

E aqui entra uma questão geracional: como é difícil
decorar os sambas de hoje! As letras são enormes, a
melodia tem variações dificílimas de acompanhar.

Mesmo os mais bonitos exigem um nível de
concentração que compete com a alegria de desfilar.
Sim, vou falar do meu tempo agora. Nos anos 80,
quando eu ainda via o carnaval pela TV, o que a gente
cantava eram músicas lindas, que cabiam direitinho na
memória. Minha letra preferida começa dizendo 'Deixa-
me encantar com tudo teu e revelar.. ' E o resto vem
num fluxo (se você é da minha geração, a esta altura já
está cantando 'e lá vou eu, pela imensidão do mar').
Talvez seja um processo natural de evolução técnica,
comoo da transformação da posição em função ou o
surgimento dos esquemas táticos de quatro linhas. É
preciso se adaptar, mas sempre vou ter espaço no
coração para decorar um time -como um bom samba -
do goleiro ao ponta-esquerda.

O tempo passa. Entre todas as emoções de ontem, a
maior que eu e minha mulher, companheira de todos os
desfiles, vivemos foi ver nossa cria desfilando com a
camiseta da criação da Viradouro. Uma emoção como
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