Aventuras na História - Edição 228 (2022-05)

(EriveltonMoraes) #1

CAPA


BOA PARTE DOS FAZENDEIROS OFERECEU RESISTÊNCIA
AO DECRETO QUE OS OBRIGAVA A TRABALHAR EM
FAZENDAS COLETIVAS. ERAM OS CHAMADOS KULAKS

Apesar da repressão massiva, a resistência
dos kulaks prosseguia. A certa altura, agentes
do Partido Comunista varreram as aldeias e
levaram tudo o que era comestível. “As pessoas
não tinham nada a fazer a não ser morrer”,
recorda Nina Karpenko. Tendo a inanição como
desfecho de suas vidas, os camponeses ucrania-
nos tampouco puderam migrar em busca de
alimento, pois as autoridades soviéticas fecha-
ram as fronteiras do país. “Alguns historiadores
apontam que a fome foi abertamente utilizada
para dobrar os ucranianos à vontade soviética,
especialmente a partir de 1932, e medidas como
o fechamento de fronteiras e a suspensão de
auxílios alimentícios para a Ucrânia são evi-
dências disso”, aponta Liebel.
As possibilidades de sobrevivência nesse con-
texto desolador são ínfimas. Logo, a morte mos-
trou sua face por todos os lados. Aldeias inteiras
foram dizimadas, ao ponto de lobos ocuparem
as casas vazias. Cidades e estradas ficaram pol-
vilhadas de cadáveres – gente que vagava a mui-
to custo na esperança de encontrar alimento em
algum lugar e, de repente, desabava, falecida. Os
corpos foram se acumulando a céu aberto porque
os que permaneciam vivos não tinham forças
para abrir covas e devolver os mortos à terra.
Houve ainda inúmeros episódios de canibalismo.
E quando as autoridades notaram que a popula-
ção estava devorando cães e gatos, como também
rouxinóis – símbolo nacional ucraniano – e ou-
tros pássaros, trataram de exterminá-los. Uma
carroça ia recolhendo os corpos ensanguentados
dos animais rumo às fazendas coletivas. Os ca-

çadores argumentavam que as peles dos bichos
seriam úteis. Mas, chegando lá, passavam sema-
nas intocados, apodrecendo.
O colapso da saúde mental em decorrência da
fome extrema foi outra camada dessa tragédia.
Com o passar do tempo, o discernimento e os
afetos foram sumindo e dando lugar à luta voraz
pela sobrevivência. Crianças foram abandonadas
por suas famílias em porões e poços, quando não
mortas por seus próprios pais, ensandecidos por
vê-las definhar sem nada poderem fazer.

GENOCÍDIO: O DEBATE
Contudo, não há consenso nem na academia nem
na comunidade internacional quanto ao fato de
o Holodomor ter sido um genocídio arquitetado
propositalmente. “Muitos historiadores ainda
não estão convencidos de que a morte dos ucra-
nianos pela fome tenha sido intencional, preme-
ditada. Todos concordam que foi uma tragédia
humanitária, mas sem a certeza da intenção de
matar, existe uma cautela para defini-lo como
genocídio”, sublinha o professor.
Anne Applebaum, autora de A Fome Vermelha:
A Guerra de Stalin na Ucrânia (ed. Record), inte-
gra o rol de estudiosos que tratam do Holodomor
como um genocídio inquestionável. “Stalin não
procurou matar todos os ucranianos, e nem todos
os ucranianos resistiram. Ao contrário, alguns
deles colaboraram, tanto ativa quanto passiva-
mente, com o projeto soviético. Porém, Stalin
procurou eliminar fisicamente os ucranianos mais
ativos e engajados, rurais e citadinos. Ele compre-
endeu as consequências da fome e das simul-

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