Aventuras na História - Edição 228 (2022-05)

(EriveltonMoraes) #1

CAPA


tâneas ondas de prisões em massa na Ucrânia
enquanto elas ocorriam”, defende a pesquisadora.
Anne faz uma ressalva importante para situar
a nomenclatura mais acertada para o que aconte-
ceu em 1932 e 1933 na Ucrânia. “Naquela época,
não havia uma palavra que pudesse ter sido em-
pregada para descrever o ataque patrocinado pelo
Estado contra um grupo étnico ou nação, nem lei
internacional alguma para defini-lo como um tipo
específico de crime. Todavia, a partir do momen-
to em que o termo ‘genocídio’ passou a ser usado
no fim da década de 1940, muitos procuraram
aplicá-lo à fome e aos expurgos que a acompanha-
ram na Ucrânia. Seus esforços foram complicados
naquele tempo, e ainda o são, pelas diversas inter-
pretações da palavra ‘genocídio’ — na acepção
legal e moral, em vez da histórica —, bem como
pela política complicada e em constante mudança
na Rússia e na Ucrânia”, ela observa.
O polonês Raphael Lemkin (1900-1959), aca-
dêmico do Direito e judeu interessado em ref le-
tir mais a fundo sobre os massacres perpetrados
contra grupos nacionais, religiosos ou raciais, foi
o pai da palavra genocídio — fusão do grego
genos, que significa raça ou nação, com o sufixo
cídio, derivado do latim e relativo a matar. O
intelectual a apresentou ao mundo em 1944, na
obra Axis Rule in Occupied Europe: Laws of
Occupation – Analysis of Government – Propo-
sals for Redress (Regra do Eixo na Europa Ocu-
pada: Leis de Ocupação – Análise do Governo –
Propostas de Reparação, em tradução livre).
De acordo com ele, genocídio diz respeito não
apenas à aniquilação de toda uma nação como

também à soma de diferentes ações com o intuito
de extinguir os fundamentos da vida de grupos
nacionais, com o propósito de exterminá-los. Num
ensaio de 1953, intitulado Genocídio Soviético na
Ucrânia, Lemkin classifica a sovietização da Ucrâ-
nia e a Grande Fome como tal. “Trata-se de um
caso de genocídio, de destruição, não só de indiví-
duos, mas de uma cultura e de uma nação”, ele
atestou. Entretanto, na prática, o termo foi incor-
porado aos documentos oficiais da Organização
das Nações Unidas (ONU) da seguinte forma:
extermínio físico de um grupo étnico inteiro, de
maneira semelhante ao Holocausto. Daí a dificul-
dade de enquadrar o Holodomor nessa categoria.

TESTEMUNHO DO HORROR
Temos ainda que considerar os esforços empre-
endidos pela URSS para apagar os rastros da
Grande Fome. Arquivos locais foram incinera-
dos; registros de mortes, desvinculados da ina-
nição; dados de recenseamentos públicos, alte-
rados. Os próprios ucranianos temiam abordar
o ocorrido pelo risco de sofrerem represálias.
“Entre 1933 e 1991, a URSS simplesmente se re-
cusou a reconhecer que alguma vez tivesse havi-
do qualquer tipo de fome”, denuncia Anne.
Porém, houve quem viu, sofreu e sobreviveu
para espalhar a história. Testemunha ocular da
desgraça que se abateu sobre a Ucrânia em 1932
e 1933, Miron Dolot, pseudônimo cunhado pelo
jornalista e professor ucraniano radicado nos
Estados Unidos, Simon Starow (1916-1998), atre-
la a Grande Fome a uma política antinacionalista.
É dele a obra Holodomor: O Holocausto Esque-

MEDIDAS COMO LIMITAR AUXÍLIOS ALIMENTÍCIOS
E FECHAR FRONTEIRAS INDICAM QUE A FOME FOI USADA
PARA INDUZIR OS UCRANIANOS À VONTADE SOVIÉTICA

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