Aventuras na História - Edição 228 (2022-05)

(EriveltonMoraes) #1

F


oi meu crime a alquimia traiçoeira”,
geme uma alma no oitavo círculo do
inferno, onde alquimistas são puni-
dos com úlceras fétidas e enfermida-
des nauseantes. A cena está em A
Divina Comédia, escrita pelo italiano Dante
Alighieri no século 14. Mistura de doutrina
filosófica com atividade laboratorial, a alquimia
de modesta não tinha nada: seus praticantes
queriam encontrar a pedra filosofal, objeto
capaz de fornecer o elixir da vida eterna e trans-
mutar metais como cobre em ouro puro.
Teve muita gente séria que correu atrás dis-
so. É o caso de cientistas como Isaac Newton e
Robert Boyle – a nomes como esses a química
deve grande parte de sua existência. No entan-
to, não é de espantar que uma técnica que pro-
metia a vida eterna e, de quebra, muita riqueza
tenha despertado o interesse de diversos viga-
ristas. Por isso, pipocavam charlatões no ramo.
Foram esses falsificadores de moedas de ouro
que contribuíram para a má fama que a profis-
são adquiriu. Aliás, é esse tipo de criminoso
que vai parar no inferno do poeta Dante.

EM BANHO-MARIA
A alquimia atingiu seu ápice durante a época de
Dante até o fim do Renascimento. Mas a técnica
é muito, muito mais antiga: nasceu em Alexan-
dria, cidade do Egito fundada em 332 a.C. por
Alexandre, o Grande. Lá, a cultura helênica le-
vada pelo rei da Macedônia encontrou a arte
egípcia chamada kymiâ – a palavra significa
“preto”, em referência ao solo das margens do
Nilo. A kymiâ tinha um pé na feitiçaria porque,
além da manipulação de metais, envolvia os
processos químicos usados no embalsamamen-
to dos mortos. Todo o conhecimento da kymiâ
era atribuído pelos egípcios a Thot, deus da sa-
bedoria. Mas, quando os gregos depararam com
essa divindade, logo a identificaram com Her-

mes, o mensageiro e intérprete dos deuses. E foi
assim que surgiu o termo “hermético”, que se
refere às ciências ocultas, em especial à alquimia.
Os egípcios adotaram a teoria grega de que
toda matéria é composta de quatro elementos
básicos (terra, ar, água e fogo) em proporções
diferentes e a aplicaram à metalurgia. “Essa dou-
trina deixa implícita a possibilidade de trans-
mutar os metais. Bastaria, para isso, mudar a
proporção de cada elemento”, afirmou Robson
Fernandes de Farias, professor de química e
autor do livro História da Alquimia. Como al-
gumas ligas de metal são douradas (por exemplo,
a liga de cobre com zinco), ficava mais crível a
possibilidade da transmutação.
Coisa rara na história da ciência, era grande a
participação de mulheres na alquimia de Alexan-
dria. Uma delas, que viveu no século 3 a.C., ficou
conhecida como Maria, a Judia. Além de novos
equipamentos de destilação, ela criou o hoje fa-
moso “banho-maria” – método de aquecimento
que ainda é usado em laboratórios de química,
sem falar nas cozinhas. Os escritos dela foram
conservados por Zózimo de Panópolis, que viveu
seis séculos depois e, inspirado neles, desenvolveu
catalisadores e procedimentos de filtração. Ape-
sar do avanço das técnicas utilizadas, a alquimia
estava com os dias contados. Em 296, o imperador
romano Diocleciano ordenou que todos os textos
alquímicos fossem queimados. Ele temia que a
produção de ouro fosse bem-sucedida e arruinas-
se a economia já agonizante do império. Em 330,
Constantino transferiu a capital para Constanti-
nopla (atual Istambul) e declarou o cristianismo
a religião oficial. Começaram então os problemas
para os seguidores de uma seita cristã, o nesto-
rianismo. Eles viam em Jesus uma natureza divi-
na e outra humana, em uma época em que aque-
les que duvidassem da igualdade de Jesus com
Deus passavam a ser considerados hereges. Al-
guns nestorianos eram alquimistas e, para

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