Aventuras na História - Edição 228 (2022-05)

(EriveltonMoraes) #1
NO PÓS-ABOLIÇÃO DA
ESCRAVATURA BRASILEIRA, A
SITUAÇÃO DA MAIORIA NEGRA
SE AGRAVOU AINDA MAIS.
SOBRETUDO NA BAHIA, ONDE
ACONTECERAM AS MAIORES
REBELIÕES E REVOLTAS DE
ESCRAVIZADOS DO SÉCULO 19
POR FERNANDO GRANATO
AUTOR DE BAHIA DE TODOS OS NEGROS

voltava para casa, Hadfield via o caminho “acla-
rado” pela iluminação a gás, que lhe dava “uma
aparência verdadeiramente imponente”. Pouco
antes disso, Salvador havia se tornado uma das
primeiras cidades do Brasil a receber água en-
canada, oriunda da Fonte do Queimado, num
marco da engenharia nacional.
Foi a partir de 1864 que a mudança na ilumi-
nação pública de Salvador deixou muitos negros
sem emprego. Até então, ela era feita por meio
de lampiões, cujo combustível era o azeite de
baleia, e, para seu funcionamento, o poder pú-
blico contratava preferencialmente africanos
libertos, que trabalhavam como acendedores. A
partir de 1864, 1.700 bicos de luz, que funcio-
navam num sistema com gás encanado, passa-
ram a iluminar a cidade.
Coincide com esse ano de 1864 a última lei
do Império destinada a cobrar impostos dos
africanos que viviam de ganho. A partir de en-
tão, com a escassez dessas atividades, não fazia
mais sentido taxar essa camada da população.

LANÇADOS À PRÓPRIA SORTE
No fim do século 19, a maioria dos escravos,
quando libertos, ia engrossar a fileira dos des-
possuídos da sociedade livre. A esse contingen-
te, somavam-se os cativos doentes, abandonados
pelos seus senhores. Isso porque era mais van-
tajoso abandoná-los do que custear os tratamen-
tos. Preocupada com essa situação, a Santa Casa
passou a não receber escravos abandonados por
seus senhores. Para que os negros fossem aten-
didos gratuitamente era preciso que compro-
vassem que eram alforriados e não tinham ca-
pacidade para arcar com os custos do
tratamento.
Diante dessa situação, cresceu o número de
escravos abandonados e doentes nas ruas da
cidade. Em seu Diário de uma Viagem ao Brasil,
a pintora britânica Maria Graham narrou uma
passagem em que amigos ingleses avistaram uma
negra que jazia à beira de uma estrada. Recorre-
ram então a companheiros portugueses para
avisar do ocorrido e escutaram deles: “É só uma
negra, vamos embora”. Mesmo assim a criatura
foi levada ao Hospital Inglês e morreu dois dias
depois, “de idade e fome”, segunda a autora.

O


Brasil chegou ao período próximo
à abolição da escravatura, em
1888, com uma chaga aberta e es-
cancarada: a desigualdade social.
Lançados à própria sorte, os ne-
gros se viram sem condições de
sobrevivência, marginalizados e estigmatizados.
Na Bahia, palco das maiores rebeliões e revol-
tas de escravos do século 19, a situação foi ainda
pior. A própria melhoria na infraestrutura ur-
bana de Salvador, que coincide com esse período,
tratou de retirar as últimas possibilidades de
ganho da camada mais pobre da população, for-
mada majoritariamente pelos negros. A moder-
nização do sistema de transporte de mercadorias
e pessoas, com os bondes puxados por animais
e o Elevador Lacerda – ligando a Cidade Alta à
Cidade Baixa –, deixou sem trabalho a maioria
dos “negros de ganho” (que atuavam como car-
regadores e eram fundamentais na engrenagem
da cidade). Em 1887, um ano antes da abolição,
já não havia no lugar trabalhadores registrados
como “carregadores”, embora ainda existissem
809 africanos inscritos como “ganhadores”.
Conforme a matrícula pública de 1887, na-
quele ano ainda existiam 89 “cantos” de trabalho
de negros na cidade, a maioria na Zona Portuá-
ria. Desse total, 22 eram de africanos, 31 de afri-
canos e de brasileiros e 35, apenas de brasileiros.
Já em 1870, o comerciante inglês Willian Ha-
dfield descreveu a cidade que se urbanizava e
possuía duas linhas de bondes. À noite, quando

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