Aventuras na História - Edição 228 (2022-05)

(EriveltonMoraes) #1

BRASIL


A situação de abandono pelas ruas ficou tão
grave que o presidente da província criou o Asilo
de Mendicidade, instalado num cômodo do Con-
vento dos Freis Franciscanos e que passou a se
chamar Dormitório de São Francisco. Logo, o
local ficou saturado e com péssimas condições de
higiene, dado o grande número de indigentes
idosos, sobretudo negros, que vagavam pelas ruas
de Salvador. O que fez com que o jornal O Alaba-
ma, em novembro de 1868, denunciasse que aque-
le dormitório parecia “depósito de imundices”.

IDOSOS ABANDONADOS
Um levantamento feito pela psicóloga Kátia Jane
Chaves Bernardo, especialista em história social
da terceira idade, chegou ao número de 870 ido-
sos em estado de mendicância enterrados no
Cemitério do Campo Santo, em Salvador, entre
1850 e 1900. Desses, “63% eram negros, 14,5%
pardos e 10,1% mulatos”. O restante era formado
por brancos ou indefinidos. O estudo da psicó-
loga identificou como principal causa da morte
desses idosos indigentes, na Salvador oitocentis-
ta, as doenças decorrentes do alcoolismo. “O
consumo da cachaça era uma prática regular
entre negros, uma vez que a embriaguez ajudava
a suportar as dificuldades da vida sob o sistema
escravagista”, afirmou.
A situação de penúria pela qual passavam,
sobretudo os idosos, justifica a reação de um velho
negro num caso ocorrido no centro da cidade, em
1890, mais tarde conhecido na imprensa como a
Tragédia do Taboão. Um violento estrondo se
ouviu na região do Pelourinho, na manhã do dia
4 de março. Foi a explosão acidental de um depó-
sito clandestino de pólvora nos fundos da loja
Silva, Ávila e Companhia, que comercializava
ferragens na Ladeira do Taboão. Na tragédia,
morreram 40 pessoas – segundo jornais da época


  • e dezenas ficaram feridas. Entre elas, um afri-
    cano idoso que, soterrado, não queria ser retirado
    dos escombros sem os seus parcos pertences.
    Quando foi resgatado, estava agarrado a um sa-
    quinho com algumas moedas de cobre, o que lhe
    restava para não cair na mendicância.
    O abandono de cativos idosos acontecia até
    mesmo dentro dos engenhos do Recôncavo. O
    viajante alemão Robert Christian Avé-Lallemant


descreveu uma cena presenciada numa dessas
propriedades: ele passou a noite escutando gritos
que vinham da senzala. Na manhã seguinte, sou-
be que um velho negro havia morrido, sem assis-
tência nem consolo. “Tinham mandado chamar
um padre, perto, em Santo Amaro, mas como era
tarde da noite, ninguém tinha querido ir”.
No pós-abolição a situação financeira da
maioria negra se agravou ainda mais. Como bem
definiu a historiadora Maria Luíza Tucci Car-
neiro, “ao alcançar a liberdade o negro ficava
reduzido à condição de verdadeiro pária”. Gran-
de número de negras, com filhos pequenos ata-
dos às costas, vagava pelas ruas. A comarca de
Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, registrou
apenas no ano de 1888 a morte de 14 crianças,
filhas de libertas, por desnutrição.
Em Salvador, resistiam na virada do século 19
para o 20 cerca de 500 velhos africanos, das mais
variadas etnias, nas estimativas de Nina Rodri-
gues. “As nações ainda numerosas possuem can-
tos, sítios da cidade onde, a tecer chapéus ou
cestas de palha e a praticar das gratas recordações
da mocidade, os velhinhos aguardam os fretes”.

POPULAÇÃO DESLOCADA
Mas o que havia de pouco trabalho foi sendo
reduzido conforme a cidade foi se “modernizan-
do”. A partir de 1912, a população de baixa renda
foi sendo empurrada para a periferia, conforme
o centro ia se urbanizando. Ocorre que essa dita
modernização não foi acompanhada de uma ex-
pansão da atividade econômica que fosse capaz
de absorver a mão de obra dos negros saídos da
escravidão. Quem trabalhava, arranjava colocação
em subempregos na prestação de serviços pesso-
ais, no artesanato, na construção civil, no comér-
cio varejista, conforme observou o economista
Paulo Henrique de Almeida. Em suas palavras, a
expansão da atividade econômica “era débil”, além
de cíclica, o que não atraía novos investimentos.
A própria sociedade baiana resistiu em aceitar
a condição de cidadão livre permitida ao ex-es-
cravizado. E fez questão de não incorporar essa
mão de obra livre ao mercado de trabalho, dei-
xando-a completamente deslocada do processo
produtivo. Pelo menos até o final de 1889, eles
eram identificados pelas alcunhas de “Libertos

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