Aventuras na História - Edição 228 (2022-05)

(EriveltonMoraes) #1

BRASIL


de 13 de Maio”, “Recém-libertos” ou simplesmen-
te “Treze de Maio”. Uma marca que os identifica-
va e os rebaixava perante os demais cidadãos.
Para as autoridades, o antigo medo de rebeli-
ões africanas transformou-se numa obsessão
com a suposta desordem urbana que a população
negra e livre poderia causar nas cidades. O há-
bito de se reunir em sambas e festas populares
continuou a ser censurado, sob o pretexto de que
seriam foco de confusão. O problema enfrentado
pelas autoridades na repressão às manifestações
culturais dos negros era que grande parte do
contingente policial da cidade vinha exatamen-
te dessa parcela da população. Dos 91 guardas
pedestres que circulavam por Salvador, 56 eram
“pardos, cabras ou pretos” e apenas 35 eram
brancos, segundo levantamento feito pelo histo-
riador Wilson Roberto de Mattos.
Ilustra bem essa situação a história de dois
desses guardas pedestres, Pedro Alexandrino
Donato e Marcolino Alves de Sales, presos por
“terem abandonado o distrito que rondavam e
meterem-se em um samba”, conforme relato do
comandante geral do Corpo de Polícia. Pela fal-
ta, amargaram nove dias de cadeia.

PRECONCEITO E INJUSTIÇA
A perseguição às pessoas “de cor”, mesmo que
não fossem criminosas, estava calcada naquilo
que as autoridades chamavam de “vadiagem”.
Segundo a historiadora Iacy Maia Mata, cons-
truiu-se a ideia de que o negro possuía uma ten-
dência natural ao alcoolismo, à marginalidade e
à recusa ao trabalho. “O negro, por esse discur-
so, não possuía laços familiares, era um desagre-
gado e oscilava frequentemente entre a apatia e
a violência e preenchia, portanto, os atributos
para ser um criminoso em potencial.”
Já no curso do processo abolicionista, quando
se via que mais cedo ou mais tarde a mão de obra
escrava se tornaria inviável, a elite baiana tratou
de “demonizar” a presença do negro e fez o que
pôde para extirpar daquela sociedade os africa-
nos. É o que atestam, por exemplo, os escritos do
senhor de engenho Miguel Calmon, que propu-
nha a introdução de braços livres nas lavouras,
preferencialmente imigrantes, para “prevenir com
eficiência e evidente utilidade a funesta necessi-

dade de africanos, ou os efeitos, ainda mais fu-
nestos, da existência de tantos bárbaros neste
abençoado país”. Nem mesmo a Proclamação da
República, em 1889, colocou fim a esse tipo de
perseguição. Muito antes pelo contrário. “A Re-
pública apressou-se em criminalizar práticas
identificadas com os libertos”, acrescentou Iacy
Mata. “Aos capoeiras foi iniciada uma intensa
perseguição. A vadiagem e os comportamentos
considerados ociosos tornaram-se crimes.”
Até mesmo abolicionistas convictos, como o
baiano Ruy Barbosa, tomaram atitudes contro-
versas com a mudança do regime e a Proclama-
ção da República. Nomeado ministro da Fazen-
da do governo provisório de Deodoro da
Fonseca, ele determinou, por meio de um des-
pacho de 14 de dezembro de 1890, a queima de
todos os documentos públicos da sua pasta que
tivessem qualquer relação com a escravidão.
Essa medida polêmica, que contribuiu para apa-
gar vestígios de uma das páginas mais trágicas da
história brasileira, até hoje divide opiniões. Entre
os documentos queimados, estavam livros de ma-
trícula, controles aduaneiros e livros de recolhi-
mento de tributos, e o objetivo do então ministro
seria evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado
a indenizar donos de escravizados afetados pela Lei
Áurea de 1888. Gilberto Freyre, um dos principais
intérpretes da história afro-brasileira, nunca per-
doou o político baiano por aquilo que considerou
como um desprezo à memória nacional.
Fato é que o novo governo, instaurado depois
de 15 de novembro de 1889, continuou e ampliou
a perseguição aos negros recém-libertos. Pesou
também contra os negros o fato de muitos deles
terem se colocado contra os ideais republicanos.
Organizada pelo abolicionista José do Patrocínio,
chegou a ser constituída no Rio de Janeiro uma
chamada “Guarda Negra”, composta por ex-
-escravizados. Como tinham ganhado a liberda-
de com a Lei Áurea, em agradecimento eles de-
fendiam a manutenção da monarquia.
O movimento se estendeu a outras províncias
e, na Bahia, ganhou notoriedade o episódio
ocorrido em 15 de junho de 1889, durante a
visita a Salvador do líder republicano Silva Jar-
dim, aquele mesmo que se envolvera na cons-
tituição do Quilombo do Jabaquara, em San-

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