Claudia - Edição 696 (2019-09)

(Antfer) #1
GABRIELA ONOFRE
é vice-presidente de marketing e comunicação da Acesso Digital.
Trabalhou 17 anos na Procter & Gamble e três anos na Johnson & Johnson

110 claudia.com.br setembro 2019


Fora da zona de conforto


uando esta página for publicada, já
terei feito a maior mudança profis-
sional da minha vida. Depois de 20
anos trabalhando em multinacionais
de bens de consumo como executi-
va de marketing, aceitei a proposta
de montar a área de marketing e
comunicação da Acesso Digital,
startup de tecnologia com soluções
para identificação pessoal. Não foi
um processo simples. Ouvi de mui-
tas pessoas que seria um risco. É
verdade que as mudanças são sig-
nificativas. Deixo uma corporação
multinacional com mais de 100 anos
e 100 mil funcionários por uma
empresa brasileira jovem, cujo quadro reúne algumas
centenas de colaboradores (mas que sonha em ser gigan-
te). Troco um trabalho dirigido ao consumidor por um
focado no cliente. Em vez de vender produtos como ab-
sorventes femininos, falo de tecnologia.
Tomadas de decisões e transformações são parte do dia
a dia. O importante é saber por que estamos fazendo isso
e se permanecemos alinhadas com quem somos e com o
que acreditamos. Esse processo de reflexão profissional
começou há pouco mais de dois anos, quando uma chefe
querida saiu da Johnson & Johnson depois de mais de 20
anos para tocar o próprio negócio. Ela havia se preparado
para seguir esse caminho e estava feliz. Passei a me per-
guntar o que eu gostaria de estar fazendo dali a alguns anos.
Percebi que a gente pensa nisso poucas vezes – pelo menos
eu não tinha dado muita atenção ao tema antes. Entramos
no ciclo de trabalho e aprendizado, assumimos responsa-
bilidades e, enquanto tudo está dando certo, o barco segue
sem ponderações. De repente, cai a ficha, e o incômodo que
surge faz questionar se aquilo é o suficiente, se traz felici-
dade. Aí não tem jeito. Precisa arrumar tempo para se
conhecer melhor. Tive uma coach que me ajudou a resgatar
quem sou, a entender o que faz com que me sinta realizada
e a redescobrir minhas forças. Sempre disse a meus filhos
que vamos melhor na escola em matérias de que gostamos,
mas eu mesma não estava ouvindo esse conselho. Adoro

Q


conectar pessoas e falar sobre futuro. Entendi que precisa-
ria de um ambiente com mais autonomia e de um ritmo
mais rápido. Comecei do zero me apresentando a pessoas
de startups e outras empresas do ramo. Fui a reuniões, cafés
e almoços para trocar ideias e tomei muitos nãos. Achavam
que eu era sênior demais, que não me adaptaria a pequenas
estruturas. Até que conheci o Diego Martins, sócio-fundador
da Acesso Digital. Tivemos conversas encantadoras sobre
desburocratizar o mundo por meio da identificação pessoal.
O apetite para se adaptar rapidamente às mudanças e a
vontade de transformar o negócio em algo grande e rele-
vante já eram reais e a empresa estava crescendo em ritmo
acelerado. Senti que queria estar com aquelas pessoas na-
quele projeto. A energia era boa. A proposta veio em pouco
tempo. Antes que eu estivesse preparada, na verdade. De-
cidi propor a mim mesma mais reflexões. Quis entender
mais da cultura da empresa. Voltei à Acesso Digital e con-
versei com funcionários para descobrir mais do ambiente.
Perguntei sobre visão, planos, quis saber das dores pelas
quais estavam passando, qual seria meu papel e quanta
autonomia teria. Tive certeza de que poderia contribuir.
Também fiz uma boa diligência e falei com muita gente que
conhecia a Acesso Digital para analisar a integridade da
companhia. A cada um desses passos, eu ganhava confian-
ça. As conversas me energizavam. Também sentei para
debater a decisão com meu marido e meus filhos.
O mundo das corporações pode parecer menos arris-
cado, mas está sendo chacoalhado pelas transformações
culturais e digitais. Minha nova incursão pode dar errado?
Sim. Há risco? Claro. Mas, como me disse um dos conse-
lheiros da Acesso Digital: “Se der errado, já deu certo”.
Pelo menos terei me desafiado e aprendido lições. Com
mais de 20 anos de carreira, se precisar procurar emprego
daqui a algum tempo, não será a primeira vez. Só que terei
mais autoconhecimento e a vivência de ter saído da zona
de conforto e ganhado novas perspectivas.

Trabalho

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