Claudia - Edição 696 (2019-09)

(Antfer) #1

76 claudia.com.br setembro 2019


passam a ser mais requisitados a se responsabilizar por
contracepção também.

SEXUALIDADE CONTROLADA
Na prática, apesar de essas mudanças estarem atingindo
parcelas maiores da população, muitas transformações
de paradigma estão longe de se enraizarem na sociedade
brasileira, que pouco discute uma educação para o livre
exercício da sexualidade. A iniciação sexual de jovens
se dá muito mais com base na pornografia e na ideia
de sexo penetrativo, com a mulher assumindo posição
submissa. Ao mesmo tempo, há a educação pautada pelo
medo de DSTs e gravidez. “Isso precisa ser transformado
com um papo sobre o direito da mulher ao prazer, com
espaço para que as pessoas possam viver sua sexualidade
de maneira livre e não formatada”, indica Halana Faria.
Na falta de um debate que atinja a todos, a impor-
tância do prazer feminino e da liberdade para a mulher
é especialmente negligenciada. “Sinto que mesmo entre
amigas da mesma idade, mulheres que considero bem
resolvidas, falar sobre essa busca por prazer sexual é
tabu”, conta Maria Luísa, 24 anos, estudante de arqui-
tetura, de São Paulo. A percepção veio dias após mais
uma relação casual, quando ela, que já estava iniciada
na masturbação e no uso de vibradores, decidiu ir à
uma sessão de terapia que se propõe a ajudar mulheres
a encontrar seu potencial para orgasmos mais intensos
(veja nossa seleção de iniciativas com esse objetivo em
“Sob Medida para Elas”, a seguir). Abriu as janelas
digitais de conversas com diferentes amigas e, de boa
parte delas, recebeu feedbacks desinteressados. “Foi
completamente diferente de usar sozinha, fiquei muito
entregue e surpresa ao notar que era capaz de mais”,
revela. A jovem, que afirma ter dificuldade para se
sentir à vontade no sexo, considera que a experiência
repercutiu positivamente não só na sua sexualidade
mas, sobretudo, em outras áreas da vida. Ao perceber
que poderia ter mais plenitude sexual, quis maximizar
outros resultados. “Coincidentemente ou não, me senti
mais disposta e ativa. Fui atrás de outro estágio, com

que, antes de ter prazer com um parceiro, precisaria
buscá-lo por si própria. A percepção foi potencializada
quando a advogada, hoje com 25 anos, ficou solteira
após o fim de um relacionamento iniciado ainda na
adolescência. “Comecei a me masturbar quando adulta,
mas era muito mais difícil do que diziam. Eu não sentia
absolutamente nada”, comenta sobre a situação, que se
arrastou por anos. Imaginava que o problema devia estar
no seu corpo – se não se julgava capaz de ter orgasmos no
sexo, quanto mais se tocando. Até que resolveu investir
em vibradores. “Passei a conseguir guiar o meu parceiro
com muita naturalidade”, diz Stella. Antes disso, durante
o período de maior frustração, iniciou diversos testes
na tentativa de sentir algum prazer. Deixou até a pílula
de lado para entender como o ciclo menstrual, livre de
interferências, poderia afetar sua libido.
Há dúvidas no meio científico sobre os efeitos da pílula
anticoncepcional no desejo sexual feminino de modo
generalizado, mas pode-se afirmar que as mulheres res-
pondem de diferentes formas à sua ação – basicamente,
a pílula injeta hormônios que acabam por impedir a
ovulação. Durante a fase de testes, em 1956, com cerca de
1,5 mil mulheres em Porto Rico, foram ouvidas queixas
sobre náuseas, tontura e dores de cabeça, mas a eficácia
do procedimento era muito mais sedutora do que os
malefícios apresentados por uma minoria. Reconhecida
como um dos fatores mais importantes da revolução
sexual vivenciada pelas mulheres na década seguinte,
a adoção da pílula como método anticoncepcional uni-
versal é revisada agora pela nova geração. “Muito pelo
modo como a ginecologia se organiza, o corpo feminino
é visto como algo a ser controlado. O oposto disso é o
que tem acontecido, com as mulheres requisitando saber
mais sobre si mesmas”, explica a ginecologista Halana
Faria, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em
São Paulo. Nesse sentido, há o resgate de métodos não
hormonais considerados obsoletos na prevenção de
gravidez indesejada, como o diafragma (88% de eficácia)
e o DIU de cobre (99% de eficácia), que, combinados
ao uso da camisinha, têm êxito ampliado. Também
entra nessa conta a adoção de métodos de percepção de
fertilidade, como a análise do muco basal – sim, aquele
que aparece na calcinha em diferentes consistências ao
longo do mês – e da temperatura corporal. Essa revisão
é também reflexo de preocupações com uma vida mais
saudável e sustentável e inclui outras opções, como a
substituição dos absorventes descartáveis por coletores
menstruais e calcinhas absorventes. Por fim, os homens

“A mulher não se expressava.
Agora se permite fazer escolhas sem
tanta culpa nem estereótipos”
HELOÍSA BUARQUE DE HOLLANDA, socióloga

Especial Sexo

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