VOO LIVRE REVISTA LITERÁRIA Nº 22

(MARINA MARINO) #1
As histórias do João

LygiafoiquemlevouMenottiDel
Picchia à Scortecci Editora, em 1982 ,
compareceu a dois lançamentos de
livros deminha autoria(“AMorte eo
Corpo” e“Água eSal-Fragmentos de
TempoAlgum”),foipresençaconstante
nasreuniões, aossábados, nacasado
escritorecríticoliterárioFábioLucase
foi àminhacasa –quando eumorava
na RuaCândido Espinheira, nobairro
Santa Cecília, na festa de meu
aniversáriode 28 anos.


Vez por outra, falávamos ao
telefone. Não existiam celular, e-mail,
WhatsApp,eainterneteraaindauma
precárianovidade.Quandomepassou
o número do seu telefone, disse:
“Guarde-oasetechaves.”Lembroque,
aoligarpelaprimeiravez,sentiumfrio
na barriga e uma tremedeira nas
pernas. “Quem quer falar com ela?”
“JoãoScortecci”,respondi.


Minutosdepois,Lygiaatendeua
ligação, com sua voz inconfundível. A
mesma cena se repetiu duas ou três
vezes. “Quem quer falar com ela?”
Desdeaprimeiraligaçãoacheiavozda
atendente estranhaeseca,masmuito
parecidacomadeLygia.


Com o tempo – e mais
liberdade, claro – descobri que se
tratava de Lygia, num disfarce, um
filtro, uma salvaguarda de
privacidade. Na primeira
oportunidade que tive, quebrei o
protocolo:“Lygia,soueu,oScortecci.”
Elagargalhou.Momentoraro.
Umdia,nasedeUBE,justificou-
se, educadamente. “Faço isso para
afastar os chatos!” Em mais de 40
anosdevidaliterária,nuncaviLygia
sair do sério ou perder a calma,
mesmo nos momentos tensos dos
“anosdechumbo”.
Guardo lembranças maravi-
lhosasdoprivilégioquetivecomsua
amizade literária. De todas as
lembranças – foram muitas – a
melhor de todas foi vê-la entrar na
Galeria Pinheiros, na Rua Teodoro
Sampaio, 1704 – onde, durante 10
anos, funcionou a Scortecci –, de
braço dado com o Príncipe dos
Poetas, Menotti Del Picchia.
Inesquecível. Lygia eterna. Até
quando?Sempre.
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