Clipping Jornais - Banco Central (2022-05-15)

(Antfer) #1

CACÁ DIEGUES - A VOLTA DA CINEMATECA


Banco Central do Brasil

Jornal O Globo/Nacional - Segundo Caderno
domingo, 15 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: CACÁ DIEGUES


Desde que os primeiros europeus botaram os pés na
América, em 1492, ficou combinado entre eles que só
havia canibais entre os indígenas do Novo Mundo. De
volta à Europa, os caronas de Cristóvão Colombo
espalharam essa história por onde andavam. Pouco
depois, Pedro Álvares Cabral aportou mais ao sul do
mesmo continente desconhecido e seus embarcados
adotaram o mesmo discurso que devia ajudar a afastar
aventureiros daquelas preciosas 'descobertas'. A coisa
não pegou, o gosto da aventura e do enriquecimento
rápido era mais poderoso que o medo de ser comido
pelos canibais americanos.


Para os indígenas, tudo se parecia mais com uma
guerra cultural. Nossos nativos disputavam seus
interesses culturais contra o poder político dos europeus
que começavam a ocupar o continente que logo estaria
sob a tutela dos 'descobridores'. E mais ou menos o que
acontece agora conosco, os cineastas e outros artistas
brasileiros, submetidos a um desejo de poder político
dos descendentes dos europeus. Enfrentamos esse
poder político, cada vez que ele se manifesta, acertando


as contas no final delas.

Mas agora, de uns quatro anos para cá, não tem mais
conversa. O poder político nos escolheu - como
inimigos, é preciso acabar conosco, arte e cultura são
manifestações equivalentes ao canibalismo dos séculos
XV e XVI. Em nome dos bons costumes, é preciso
acabar com essa antropofagia do século XXI que
sugere ao público pensar diferente, com sua própria
cabeça, fundado em ideias originais. O poder político,
acostumado a dizer o que seus apoiadores -desejam
ouvir, não se interessa em negociar com os bárbaros.
Eles precisam é acabar com esse mau exemplo para o
resto do país.

Por isso ficamos tão felizes com a notícia de que a
Cinemateca Brasileira estava reabrindo, comandada
pela Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), uma rara
OS especializada e, por isso mesmo, de nossa absoluta
confiança. E ainda tendo à frente alguém que vem
refletindo tanto sobre nós, o professor Carlos Augusto
Calil. Desde janeiro, depois de dois anos fechada, a
Cinemateca está agora com a SAC. Ea SAC, essa
semana, convocou cineastas e cinéfilos, amantes do
cinema para, nessa última quinta-feira, 12 de maio,
celebrar o fim do divórcio inconcebível entre o poder
político e o cinema no Brasil.

Estavam na eufórica celebração desde jovens
cineastas, como Roberto Gervitz, um sustentáculo na
luta pela Cinemateca, até veteranos como o centenário
Rodolfo Nanni. A animação foi estimulada por
documentos audiovisuais sobre tanta coisa e tanta
gente da qual nos orgulhamos tanto. Documentos
audiovisuais encerrados com chave de ouro por Lygia
Fagundes Telles, a grande escritora. Desde a morte de
seu companheiro, Paulo Emílio Salles Gomes, um dos
criadores da Cinemateca, Lygia se tornara uma espécie
de primeira-dama do nosso cinema, até seu falecimento
recente.

Nada mais apropriado do que encerrar a noite de festa
cinematográfica com a projeção da cópia recuperada
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