Sabor. club [ ed. 33 ] | 33
QUANDO NOSSO CHEF FRANCÊS mais
famoso quebrou as paredes da cozinha no Chez
Claude, formando uma arena gastronômica para
quem curte comer observando o preparo dos
pedidos, ela surgiu aos aplausos do respeitável
público, dirigindo com talento a coreografia da
equipe ao redor dos fogões. Lenço prendendo
os cabelos louros e piercing no nariz, o jeito de
menina do Rio não engana: quem veste o dólmã
é uma cozinheira, surfista e budista que não teme
grandes ondas e tarefas. E o ‘darma’, no caso, vem
da primeira infância, no contato precoce com
as receitas que levaria para a vida. Estava escrito
em alguma estrela que Jéssica Trindade, 32 anos,
seria a primeira mulher a trabalhar numa cozinha
de Claude Troisgros, e chegaria ao comando do
restaurante que leva o nome do patrão,
o Chez Claude.
“Minhas memórias começam com o chef
Claude. Tinha cinco anos e pedia para minha
mãe descrever os pratos e menus”, conta Jéssica.
Como assim? “Ela contratava eventos para um
banco francês e era ele quem cozinhava. Eu ficava
acordada esperando ela voltar com as histórias.”
Para quem decidiu na adolescência que seria
cozinheira, apesar dos narizes torcidos da família,
era de se esperar a estreia luxuosa, aos 19 anos,
como estagiária no antigo 66 Bistrô. Foi o início
de uma trajetória de 11 anos que inclui período na
Maison Troisgros, templo da família em Roanne,
na França, e uma história digna de filme de humor
e aventura ao lado do ícone Paul Bocuse.
“Um dia o Michel me chamou e disse que
teria que fazer sozinha algo para o almoço dos
funcionários do hotel”, conta, referindo-se a
Michel Troisgros, irmão de Claude e chef no três
estrelas Michelin. O resultado foi um raríssimo
registro de feijoada criada às margens do Loire:
“Fiz a farofa com pão de forma, defumei linguiça,
improvisei a carne seca, e em vez da couve usei o
chou, espécie de repolho. Ficou muito parecida
com nossa feijoada e todos adoraram.”
Não tem tempo ruim com a moça, a gente
percebe no início da conversa no Chez Claude,
um restaurante que homenageia e personifica em
novas abordagens um repertório clássico e afetivo
de Claude Troisgros. Jessica ouve as ideias do chef
e as leva para o fogão, com toques pessoais
A realização do sonho de conhecer o chef Paul Bocuse, enquanto
estava com os Troisgros na França, rendeu a Jessica uma das passagens
mais emocionantes da vida. Detalhe: de pijama.
Ao perder a hora do trem de Roanne para Lyon, jogou o sobretudo por cima do
pijama e saiu correndo. Não deu tempo para chegar na hora do almoço e o jeito foi
ficar para o jantar – na cozinha, o único lugar disponível naquela noite. Com o olhos
marejados, ela conta: “Fiquei lá vendo o serviço todo acontecer, os caras fazendo
a mise en place, aquelas panelas de cobre, eles recheando o frango com trufas,
não dá para esquecer. Bocuse sentou, conversou e bebeu vinho comigo”.
Jessica ouve as ideias do chef e as leva para o fogão, com toques pessoais
e receitas próprias que não demoram a acabar