National Geographic - Portugal - Edição 223 (2019-10)

(Antfer) #1
OSCELTAS 17

Os investigadores tentam resolver o mistério.
Seria Alte Burg um local de culto? Dirk Krausse
formulou uma hipótese ousada: segundo ele, os
habitantes de Heuneburg não só utilizaram téc-
nicas de construção de muralhas urbanas vindas
de Itália, mas também importaram o espectácu-
lo das corridas de quadrigas. Além de um Circo
Máximo celta, seria o Alte Burg também um es-
paço para rituais, incluindo sacrifícios humanos?
Serviriam as competições para unir os celtas da
região e transmitir-lhes a noção de identidade
partilhada? Dirk acha que isso é possível, mas ad-
verte que “não sabemos muito sobre a maneira
de pensar e o sistema de crenças destas pessoas.
Ainda há muito por descobrir”.


ENQUANTO HEUNEBURG ERA CONSTRUÍDO, um
sítio celta imediatamente a norte da actual Frank-
furt já ganhara proeminência: o planalto de Glau-
berg, que se ergue entre os montes.
Os especialistas em botânica antiga conse-
guiram reconstruir a paisagem, devolvendo-lhe
o aspecto que poderia ter na época celta. Perce-
beram que a zona não era muito diferente então.
O museu local tem aliás uma fachada de vidro
com vista para a paisagem ondulante da região
de Wetterau, intercalada com man-
chas fl orestais. “Também deveria ser
uma zona fl orestal nessa época”, diz
Axel Posluschny, director de inves-
tigação em Glauberg. O sítio tinha
várias explorações rurais familiares,
bem como algumas aldeias de maio-
res dimensões, rodeadas de zonas de
cultivo da cevada, trigo (da especiali-
dade Triticum monococcum), espelta
e lentilhas. A policultura era provavelmente utili-
zada para minimizar o risco de um fracasso total
das culturas. Os arqueozoólogos identifi caram
ossos de cabras, porcos e galinhas. Foram encon-
trados vestígios de corça e de coelho. “A ementa
era bastante variada, mas a caça não representa-
va um grande papel”, diz Axel Posluschny.
Havia três indivíduos enterrados no sopé do
Glauberg. Os arqueólogos que estudaram as suas
sepulturas descobriram fragmentos de esque-
letos, bem como uma colecção invulgarmente
rica de artefactos: espadas, um escudo, pontas
de lança, braçadeiras e colares dourados e duas
canecas de bronze com vestígios de hidromel. Os
investigadorestambémdescobrirama estátuade
umhomemdearenito,comdoismetrosdealtu-
ra,nosopédomonte.Aestátuatemumacoroa


de azevinho que, curiosamente, se assemelha, às
orelhas do Rato Mickey. Esta escultura singular
tornou-se um símbolo do sítio.
Os arqueólogos de Glauberg fi caram ainda
mais impressionados com o fosso gigante e o
“caminho processional” perfeitamente alinhado
com a posição do grande lunistício. Este evento
astronómico, durante o qual a Lua nasce no seu
ponto mais meridional, ocorre apenas a cada
18,6 anos. O que signifi ca? “As muralhas e os fos-
sos destinam-se a impressionar”, diz Axel Pos-
luschny. “Mas o conhecimento é sempre poder
e este sítio simboliza esse poder. Também nos
mostra que os celtas possuíam amplos conheci-
mentos científi cos e observavam os fenómenos
naturais durante longos períodos de tempo.”
Essa tarefa caberia possivelmente aos druidas.
No entanto, sabe-se muito menos sobre eles do
que os fãs da actualidade afi rmam. O cronista
e fi lósofo grego Posidónio descreveu estes ho-
mens misteriosos. César menciona os deuses
que eles procuravam contactar (Mercúrio, Mi-
nerva, Marte), mas os celtas propriamente ditos
não deixaram qualquer informação. Os druidas
transmitiam sempre o seu conhecimento através
da tradição oral. Não há documentos, nem evi-

dência arqueológica da existência de líderes es-
pirituais. Não há sepultura que o indique, mas os
locais sagrados e sacrifi ciais sugerem a existência
de uma classe sacerdotal organizada.
Para a investigadora Susanne Sievers, “os
druidas eram provavelmente os académicos do
seu tempo. Estudavam astronomia, juntamente
com política e economia. E eram conselheiros
dos governantes”. É possível que essa seja a ra-
zão pela qual participaram em grandes projectos
de construção. Talvez os seus conselhos fossem
procurados para o planeamento do caminho
processional de Glauberg, bem como em assun-
tos de guerra e paz. Isso também pode ter acon-
tecido aquando do saque de Roma, um aconte-
cimento com consequências dramáticas para
celtase romanos.

«A CONSTRUÇÃO [DE GLAUBERG] DEMONSTRA
QUE OS CELTAS POSSUÍAM AMPLOS
CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS E OBSERVAVAM
OS FENÓMENOS NATURAIS DURANTE
LONGOS PERÍODOS DE TEMPO.»

KELTENWELT AM GLAUBERG/PAVEL ODVODY (COLAR E ALFINETE DOURADOS); AKG-IMAGES (ESTÁTUA)


(Continua na pg. 22)

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