Elle - Portugal - Edição 374 (2019-11)

(Antfer) #1

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cionamentos (uma abordagem não hierárquica, onde tudo,
desde amizades a relações amorosas, é considerado no mesmo
nível) estão a mudar as relações – e o que queremos delas.

A minha situação é o melhor exemplo. Tenho mantido
um relacionamento eticamente não monogâmico há qua-
se dois anos. Eu e o Samuel, 30 anos, conhecemo -nos da
forma mais tradicional possível: num casamento de verão
em Itália. Podia dar origem a uma história tirada de um
romance, mas eu tinha acabado de sair de uma relação de
10 anos (monogâmica) e o Sam não estava muito interes-
sado em ter algo sério. Mas a nossa “cena” era incrível. Era
genuína, entusiasmante e embaraçosa para duas pessoas
que só queriam algo casual mas que estavam a deixar que
se tornasse mais do que isso. Então, passados alguns meses,
para não haver constrangimentos sobre alguma coisa com a
qual nenhum de nós tinha concordado, propus uma solução:
dormirmos com outras pessoas se
quisermos, mas não marcarmos en-
contros através de aplicações de rela-
cionamentos. Já tinha visto o termo
“ética não monogâmica” num jornal.
Soou um bocado pomposo e ridículo
numa primeira abordagem – quase
como se de uma piada se tratasse.
Rimos. Mas acabámos por gostar do
termo – que não diz o que é, mas sim o que não é. Para
mim, dizer que era um novo território seria uma espécie
de eufemismo. A primeira vez que ele dormiu com uma
pessoa que conheceu num bar foi como uma picada estranha
e afiada de uma alforreca no meu orgulho. Houve momentos
em que me senti insuficiente; quando me deitava no escuro e
olhava para ele a dormir e perguntava porque é que ele não tinha
regressado a casa na noite anterior. Mas na maior parte do tempo
estava bem com isso. Quem conhece a poligamia sabe que
não é à vontade do freguês; há regras e limites e calendários
coloridos do Google. A verdade é que esta faceta da nossa
relação me deixa entusiasmada. Parece -me um ato irracional
e radical de compaixão aceitar que o companheiro possa estar
atraído por outra pessoa, como todos nós de vez em quando.
Talvez esteja a pensar: “Boa ideia, mas eu não era capaz de
o fazer. Os ciúmes! A paranoia! O ter de partilhar!” Eu entendo
o que quer dizer, mas também já vi como a vida de poligâmica
tem influenciado as experiências de relacionamento das mi-
nhas amigas, das mais monogâmicas que podem existir. Por
exemplo, a Luísa, 32 anos, que manteve um relacionamento

poligâmico com um homem. «Acho que,noinício,foipor
curiosidade – ele parecia estar interessado nessa ideia. Mas
a namorada dele... Conseguiria eu adaptar -me a isso?» Em
tempos passados, a resposta seria sempre: “Não.” Mas agora?
Não sei. «Depende do que os dois esperam do tempo que
passam juntos.» O quero dizer é: se os dois estão juntos
pelo prazer de estarem juntos naquele momento, e se não
sentem nenhum sentimento de posse sobre aquela pessoa,
então vale a pena o esforço. O conceito de poligamia está as-
sente na crença de que o amor não é finito e, segundo a minha
visão não monogâmica, de que não deixas de amar alguém
por aquilo que ela faz quando não está contigo. Na verdade,
as pessoas que praticam a poligamia têm uma forma de
amar mais incondicional.
À superfície, o meu relacionamento poliamoroso pode
ser visto como se fôssemos duas pessoas que têm medo do
compromisso, que intelectualizam em torno do assunto.
Mas Helen Fisher, antropologista e neurocientista, cujas
três TED Talks sobre o amor moderno contam já com mais
de dez milhões de visualizações, tem uma visão mais deli-
cada do assunto. «Chamo a isto “amor lento”», diz. «Esta
geração está a tomar o seu tempo para encontrar um parceiro
e isso desenvolveu mais etapas antes de entrar na área do
compromisso. Em tempos passados, ou estavas numa relação
ou não estavas. Agora, os casais demoram mais tempo para

AMOR&SEXO


«ESTA GERAÇÃO ESTÁ A TOMAROSEUTEMPO
PARAENCONTRARUMPARCEIRO
EISSODESENVOLV EUMAISETAPASANTES
DE ENTRAR NAÁREADOCOMPROMISSO».
HELENFISHER
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