Clipping Jornais - Banco Central (2022-05-24)

(Antfer) #1

Meritocracia de nascimento


Banco Central do Brasil

Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Esporte
terça-feira, 24 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Renata Mendonça


"Temos que pensar numa campanha para o Dia
Internacional da Mulher, algo sobre a desigualdade de
gênero", diz o diretor de marketing à sua equipe. Todos
da reunião assentem com a cabeça. Todos homens.


"Vamos fazer algo para a Consciência Negra, falar de
racismo, das consequências da escravidão", ele
convoca alguns meses depois. A reposta é 100%
positiva. E, de novo, os membros da reunião são 100%
homens, 100% brancos.


Eis que chegam ordens superiores para a equipe. Será
necessário contratar mulheres e negros para as vagas
recém-abertas no departamento. O diretor de marketing
e seus colegas contestam: "Que absurdo, não importa a
cor ou o gênero, tem que ser competente".


Competência é o mínimo, claro. Mas será que não
percebem que a cor e o gênero importaram bastante
para que eles chegassem até esses cargos. Ou seria
uma mera coincidência que fossem todos homens e
todos brancos? Esse mérito não foi adquirido ou


conquistado, foi dado no nascimento.

Não dá para debater meritocracia sem o contexto do
ponto de partida.

Nesta semana, a decisão de um acordo histórico
envolvendo as seleções norte-americanas de futebol
repercutiu mundialmente. Na luta para conseguir
igualdade de pagamentos desde 2019, a supervitoriosa
seleção feminina entrou na Justiça. E, dentre todos os
acordos com a US Soccer (confederação americana de
futebol), faltava um aspecto a ser igualado: a premiação
da Copa do Mundo.

Isso porque a Fifa paga premiações bem diferentes na
Copa do Mundo masculina e na feminina. Uma seleção
eliminada na primeira fase do Mundial deste ano
ganhará mais do que o dobro (US$ 9 milhões, R$ 43,2
milhões na cotação atual) do valor pago à seleção
campeã da Copa do Mundo feminina de 2019 (US$ 4
milhões, R$ 19,2 milhões).

Para igualar os pagamentos, as seleções masculina e
feminina dos Estados Unidos concordaram em somar
todas as premiações da Fifa e dividir igualmente 90%
delas entre jogadores e jogadoras (10% são da US
Soccer). Ou seja, os homens abriram mão de ganhar
mais num primeiro momento em favor do que julgaram
justo -as mulheres serem recompensadas por seus
esforços (que por sinal geram resultados muito
melhores do que os deles).

Essa notícia fez muitos questionarem: oras, mas a Copa
do Mundo masculina gera muito mais dinheiro, então é
justo que os homens ganhem mais e ponto, lógica de
mercado. A análise é tão óbvia quanto limitada. O
contexto onde o futebol masculino se desenvolveu é
completamente distinto do observado no futebol
feminino, que enfrentou proibição por lei e muita
resistência. Um começou há mais de cem anos, o outro
passou a ter competições oficiais há pouco mais de 30.
Os dois não tiveram o mesmo ponto de partida.
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