Clipping Jornais - Banco Central (2022-05-24)

(Antfer) #1

Perda de mandato é punição desproporcional


Banco Central do Brasil

Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Tendência e Debates
terça-feira, 24 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Marcelo Knopfelmacher


O vereador Camilo Cristófaro (Avante-SP) pronunciou,
no último dia 3 de maio, uma frase que chocou o Brasil.
Sem saber que estava sendo gravado, disse: "Lavar [ou
não lavar, não ficou audível] a calçada é coisa de preto,
né?".


A fala é deplorável, chocante e causa repulsa em todos
-inclusive no advogado que subscreve este artigo.


Mas, ao proceder à análise jurídica da questão para
concluir sobre a efetiva ocorrência do crime previsto no
artigo 20 da lei 7.716/89, é necessário perquirir se os
verbos constantes do dispositivo legal (praticar, induzir
ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional) estão
acompanhados do necessário dolo (intenção) -porque
não se admite a forma culposa (ausência de intenção)
neste crime.


Vamos então ao contexto. Diz o vereador que estaria
conversando com uma pessoa afrodescendente, o sr.
Anderson "Chuchu", que é chefe de gabinete da


Subprefeitura de Ipiranga, em São Paulo. Teriam
realizado uma limpeza na subprefeitura e, quando o
vereador chegou, fez então essa "brincadeira".

No dia seguinte ao episódio, Cristófaro reuniu
funcionários de seu gabinete, que também são
afrodescendentes, e, em vídeo gravado, os mesmos
relataram relação harmoniosa do vereador com as
respectivas comunidades e suas ações sociais.

O edil ainda lamentou por diversas vezes o ocorrido e
pediu desculpas pelo suposto mal-entendido, uma vez
que jamais teria sido sua intenção ofender a
comunidade afrodescendente do Brasil, não tendo
passado a fala de uma "brincadeira" realizada no âmbito
privado com uma pessoa a quem chama de "irmão" e
que também é afrodescendente.

A questão então é saber se -descartada a hipótese de
injúria racial (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal),
já que não consta que a pessoa direta e potencialmente
ofendida representou o vereador junto aos órgãos
competentes- teria havido a ocorrência do crime de
racismo, previsto no mencionado artigo 20 da lei
7.716/89. Entendemos que não, já que não houve dolo.

Apesar da deplorável conduta, Cristófaro não sabia que
estava com o microfone ligado na sessão da Câmara
Municipal de São Paulo. Ou seja, ele praticou essa
incontinência verbal no âmbito privado e, segundo
relata, a interlocutor determinado -não a uma
comunidade ou público de pessoas indeterminadas.

Além disso, o vereador afirma que fez uma "brincadeira"
e não foi contestado pelo sr. Anderson "Chuchu". A fala
é péssima, injustificada, retrógrada e repugnante, mas,
se se trata de uma brincadeira, não é crime.

A jurisprudência afasta o dolo quando a hipótese é de
"animus jocandi", pois não basta que as palavras sejam
aptas a ofender -é necessário que sejam proferidas com
este fim, sendo que "a mera intenção de caçoar
("animus jocandi"), narrar ("animus narrandi"), defender
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