Envelhecer ainda é a vida desvalorizada
Banco Central do BrasilJornal Folha de S. Paulo/Nacional - Cotidiano
quarta-feira, 25 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - ColunistasClique aqui para abrir a imagemAutor: Jairo Marques
'Ele tinha um talento arrebatador. Era o maior de todos,
elaborava obras incríveis, era uma máquina de produzir,
mas teve um AVC, coitado. Ficou afásico, já tá velho,
né? Aposentou, parou tudo. Vai ficar em casa
descansando. '
Vivemos em um momento de ebulição do respeito aos
corpos diversos, de valorização das individualidades e
das tais liberdades, do reconhecimento das potências
para além dos padrões, mas vamos parando por aí.
As avarias causadas pelo tempo, resultando na velhice,
e as desgraceiras do viver sobre a carcaça humana,
ocasionando deficiências de toda ordem, ainda fazem
silenciar virtudes bem humanas e muito necessárias.
Seguir o curso sendo velho, seguir carregando alguma
inconformidade física ou sensorial resiste como
sentença de final da linha como 'ser humano' que pode
produzir, contribuir intelectualmente e praticar cidadania.
O valor do corpo segue medido por suas
funcionalidades e belezas, as inquietações e as infinitas
possibilidades da mente são ocultadas quando o seu
movimento não corresponde ao que se entende como
atlético, dinâmico e performático.O velho e a pessoa com deficiência são os entes sociais
que mais padecem com a confusão do mundo moderno
que mistura ser saudável com ser o puro creme do
milho de Piracicaba, ser capaz de articular ideias e
pensamentos com redes sociais ativas ostentando
rebolados.Chegou lá em casa, esses dias, um ensaio a respeito de
'velhofobia' escrito pelo Orlando Miranda, que está na
beirada dos 9o anos e é leitor atento de jornais e da
contemporaneidade. O que vem primeiro, a capacidade
de articulação dele em levantar questões a respeito
desse 'brabo' entrave social ou a vagareza natural de
seus movimentos?Não sou adepto da negação dos efeitos do passar do
tempo na disposição e penso ser extremamente legítimo
quem opta, por vontade própria, por descanso, mas o
que resiste como viés bem consciente é a ligação do
pleno funcionamento físico à importância produtiva,
intelectual e de interação social.Claramente, estamos chegando aos 50, aos 60, aos 70
anos, em decorrência de diversos avanços, com a
sensação de que podemos viver como 0s 20, 0S 30, OS
40 ANOS, MAS ESSA revolução é lenta para se tornar
realidade de forma conjuntural.A regra segue sendo da retirada do velho de cena,
sobretudo se ele tiver algum comprometimento natural
dos sentidos ou do físico, pois aí, o capital humano é
praticamente falido. Velho custa caro, ocupa lugar de
graça no transporte público, fura a fila, atrapalha o
jovem que precisa trabalhar, se lascar para ficar velho e
ter prioridade de atendimento.Temos pouquíssimo tempo para sermos jovens,
tragados pelas obrigações de ganhar algum dinheiro, e