Reduzir letalidade nas ações é dever da polícia do Rio
Banco Central do BrasilJornal O Globo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 26 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - ColunistasClique aqui para abrir a imagemPouco mais de um ano depois da operação na favela do
Jacarezinho, Zona Norte do Rio, que deixou 28 mortos
em 6 de maio de 2021 e se tornou a mais letal na
história do estado, a polícia fluminense, em conjunto
com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), realizou uma
incursão na Vila Cruzeiro que resultou na segunda mais
letal em seu rol interminável de confrontos: ao menos 25
mortos, entre eles uma moradora. Por mais que se
saiba que as comunidades estão dominadas por
facções criminosas que traficam, matam, roubam e
exploram moradores, não há argumento plausível que
justifique operações tão sangrentas. Lamentavelmente,
o caso é um retrocesso diante da recente recuperação
dos indicadores de violência no Rio.
A Polícia Militar (PM) afirmou que a operação, que
começou na madrugada de terça-feira, teve por objetivo
prender traficantes que se dirigiam à favela da Rocinha,
na Zona Sul do Rio, onde se encontrariam com outro
grupo. Ainda segundo a PM, a Vila Cruzeiro, no
conjunto de favelas da Penha, se tornara refúgio para
traficantes de todas as regiões do país. A participação
da PRF, em tese responsável pelo policiamento nas
rodovias federais, deveu-se a quadrilhas locais atuarem
no roubo de cargas nas estradas de acesso ao Rio.É evidente que as ações policiais são necessárias,
especialmente quando se sabe que grandes extensões
do território fluminense são controladas por quadrilhas
de traficantes e milicianos, que se aproveitam da
dificuldade de acesso às comunidades e da omissão do
Estado para estabelecer seus impérios do crime, impor
um poder paralelo e subjugar a população. O poder
público tem obrigação de combater essa anomia. Mas
não é com operações espalhafatosas de efeitos práticos
duvidosos e altamente letais que vencerá a guerra
contra o crime. Pergunta óbvia: o tráfico arredou pé da
Vila Cruzeiro depois da incursão sangrenta de terça-
feira?Na tentativa de tirar proveito político do episódio
lamentável, o presidente Jair Bolsonaro parabenizou a
operação e saudou os 'guerreiros' do Batalhão de
Operações Policiais Especiais (Bope), atropa de elite da
PM fluminense. Pois nem a própria PM considerou a
operação 'exitosa', embora tenha enfatizado que era
necessária. Não se pode ignorar que essas ações,
feitas com blindados e saraivadas de tiros, afetam
dramaticamente o cotidiano das comunidades. Uma
manicure morreu baleada na porta de casa, numa favela
vizinha à Vila Cruzeiro. Escolas e postos de saúde
tiveram de ser fechados. Moradores ficaram reféns
dentro de casa, sem poder sair para trabalhar.O governo fluminense precisa urgentemente reduzir as
mortes nessas operações. A polícia do Rio continua a
ser uma das mais letais do país. Instado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), o estado apresentou em março
um plano para recuperar os indicadores de letalidade
policial, mas o morticínio de Vila Cruzeiro deverá
provavelmente pôr a perder a melhora recente nos
números.Em que pesem a falta de metas e prazos e a ausência
de participação da sociedade civil na elaboração da
proposta do governo, ela pelo menos representa um
compromisso de mudar a situação. E dever do estado