Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 147 (2019-10)

(Antfer) #1

22 OUTUBRO 2019^ Suplemento FAO (Nações Unidas)


A DESIGUALDADE NA


DISTRIBUIÇÃO DE RENDA


S

e há um fator que incide claramente na falta
de sucesso na erradicação da fome e da pobre-
za é, sem dúvida, a desigual distribuição de
renda. Embora globalmente tenha havido avan-
ços consideráveis na redução da pobreza extre-
ma, a desigualdade de renda continua sendo alta.
Isso significa que a maior parte da redução da po-
breza foi alcançada graças ao aumento do cresci-
mento econômico, e não mediante a diminuição
da desigualdade de renda.
Essa desigualdade tem se mantido constante
e alta nos últimos quinze anos. Como região, a
América Latina e o Caribe registram os maiores
avanços em relação à redução da desigualdade de
renda, mas continuam tendo os níveis mais altos
do mundo de desigualdade. No entanto, tal avan-
ço geral na distribuição de renda não parece se
refletir na distribuição da remuneração dos
trabalhadores.
Calculada segundo o princípio da prosperida-
de compartilhada, isto é, a diferença entre a taxa
de crescimento anual em renda ou consumo do
40% mais pobre da população e a taxa de cresci-
mento anual da média da população na econo-
mia, a desigualdade vem aumentando em quase
metade dos países do mundo, incluídos numero-
sos países de renda média e baixa.
No entanto, se considerarmos unicamente os
países de renda média e baixa, a tendência na
distribuição de renda é díspar. Na figura desta pá-
gina, podemos comprovar que os países que se
encontram acima da linha registraram um au-
mento na desigualdade de renda entre 2000 e
2015, enquanto se observou uma diminuição en-
tre aqueles que estão abaixo. Cabe apontar que
vários países da África e da Ásia registraram um
grande aumento da desigualdade de renda nos
últimos quinze anos. Os países com grande desi-
gualdade são, em geral, aqueles que possuem
grande dependência de produtos básicos. Em do-
ze desses países, a desigualdade de renda se man-
teve sem variações, enquanto em 26 deles a desi-
gualdade aumentou. Mas, mais importante ainda,
vinte desses 26 países têm uma elevada depen-
dência dos produtos básicos.
A desigualdade de renda é determinada pelo
tipo de crescimento econômico e a distribuição da
renda obtida nos mercados de fatores, particular-
mente os mercados trabalhista e de capitais. Os
países da América Latina, onde a desigualdade
continua sendo alta, aplicaram numerosas refor-
mas iniciadas na década de 1990 com o objetivo
de abrir suas economias e fomentar um cresci-
mento induzido pelas exportações. A Costa Rica
constitui um exemplo nessa região de um país
que diversificou o setor das exportações. É inte-
ressante apontar que sua desigualdade de renda
aumentou em razão da intensidade de mão de
obra qualificada dos novos setores de exportação,
o que contribuiu para aumentar as diferenças
salariais.
A desigualdade de renda também incide na
repercussão do crescimento econômico. Por
exemplo, se o crescimento econômico está asso-
ciado a um aumento da desigualdade de renda, a
população mais pobre poderia não ser beneficia-

da pela melhora da renda nacional. A relação en-
tre crescimento econômico e aumento da renda
média e da segurança alimentar e nutricional po-
de ser mais frágil do que o previsto, especialmen-
te se os níveis de desigualdade são altos. Em um
contexto de crescimento econômico com alto grau
de iniquidade, deve-se solucionar a má distribui-
ção para buscar uma saída para a fome e a
desnutrição.
A desigualdade de renda incide nos efeitos
que a desaceleração ou a contração econômica
têm na segurança alimentar e na nutrição. Em
países em que a desigualdade é maior, as desace-
lerações e recessões econômicas têm um efeito
desproporcional nas populações de baixa renda
no que diz respeito à segurança alimentar e nutri-
cional, já que estas utilizam boa parte de sua ren-
da para a compra de alimentos.
A desigualdade aumenta a probabilidade de
sofrer insegurança alimentar grave, e esse efeito
é 20% maior no caso de países de renda baixa do
que em países de renda média. Um estudo da
FAO relativo a 75 países de renda média e baixa
constata que, em média, os países com um coefi-
ciente de Gini alto, isto é, superior a 0,35, têm 33%
mais chance de experimentar insegurança ali-
mentar grave. De fato, a prevalência da insegu-

NOTAS: *Como não dispomos do índice de Gini para todos os países todos os anos, utilizam-se os dados disponíveis para os perío-
dos 1996-2002 e 2011-2015 para informar sobre o índice de Gini no passado (2000) e os últimos anos (2015), respectivamente.
Constam apenas os países para os quais existem dados do índice de Gini para ambos os períodos, isto é, um total de 78 países de
renda mediana e baixa, segundo a classificação de rendas nacionais de 2017 do Banco Mundial. Por Europa, entende-se os seguin-
tes países: Albânia, Belarus, Bósnia e Herzegovina, Rússia, Macedônia, Montenegro, Moldova, Romênia, Sérvia e Ucrânia. A Cisjor-
dânia e a Faixa de Gaza são um território e seguem a classificação do Banco Mundial.
Fonte: Holleman e V. Conti, 2019, Role of income inequality in shaping outcomes on food insecurity. Documentos de trabajo 19-06
de la División de Economía del Desarrollo Agrícola de la FAO. Roma, FAO.

rança alimentar grave é quase três vezes maior
em países com elevada desigualdade de renda
(21%) do que em países com pouca desigualdade
de renda (7%).
Além disso, o mesmo estudo da FAO determi-
na que, nos países com níveis altos de desigualda-
de, o aumento da renda familiar guarda uma for-
te relação com a redução da insegurança
alimentar grave. Nos casos em que existe desi-
gualdade alta, esse efeito é quase três vezes maior
do que nos de níveis de desigualdade mais bai-
xos. Um aumento de 10% na renda familiar está
relacionado a uma probabilidade menor em 0,8
ou 0,3 pontos percentuais de sofrer insegurança
alimentar grave em países que têm, respectiva-
mente, uma desigualdade alta ou mais baixa.
As desigualdades de renda e riqueza também
possuem estreita relação com a desnutrição, en-
quanto modelos de desigualdade mais comple-
xos estão associados à obesidade. Tais modelos
de desigualdade associados às condições de saú-
de são observados em países de renda média e
baixa. As desigualdades econômicas desempe-
nham um papel significativo, uma vez que níveis
de renda mais baixos afetam o acesso à saúde, a
nutrição e os cuidados. Por exemplo, na maior
parte dos países, a prevalência do atraso no cres-
cimento entre crianças menores de 5 anos é cerca
de 2,5 vezes maior entre os 20% de países de ri-
queza mais baixa em comparação com os 20% de
riqueza mais alta. Além disso, dentro dos países
há desigualdades consideráveis entre regiões e
subgrupos de população. ■

Em alguns países a desigualdade de renda caiu,
enquanto em outros ela piorou

20 30 40 50 60

60

50

40

30

20

ÍNDICE DE GINI EM 2015 (%)

ÍNDICE DE GINI EM 2000 (%)

GUINEA-BISSAU
BENIN CAMARÕES

HONDURAS
CABO VERDE
COMORES

ZÂMBIA

ÁFRICA DO SUL

MADAGASCAR

MAURÍCIO
SUDÃO

COSTA DO MARFIM

ZIMBABWE
ANGOLA

NIGÉRIA

DJIBOUTI TOGO
CHADE
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA DO CONGO

GUYANA JAMAICA

PERÚ
HAITI

EQUADOR

PARAGUAI

COLÔMBIA

BELIZE

SURINAME

BRASIL

REPÚBLICA
DOMINICANA

COSTA RICA
VENEZUELA BOLÍVIA

AZERBAIJÃO
CASAQUISTÃO

KIRGUISTÃO

IRAQUE

LÍBANO ARMÊNIA
CISJORDÂNIA E FAIXA DE GAZA

CHINAVIETNÃ

TAILÂNDIA

MALDIVAS

BHUTÃO

TAJIQUISTÃO GEÓRGIA

INDONÉSIA

ÍNDIA

UZBEQUISTÃO

YEMEN

MYANMAR

TURQUÍA

TURCOMENISTÃO

REPÚBLICA ÁRABE SIRIA

MONGÓLIA

MICRONESIA(ESTADOS FEDERADOS DE)

PAPUA NOVA GUINÉ

FIJI ILHAS SALOMÃO

TONGASAMOA

VANUATUTUVALU
KIRIBATI
ROMÊNIA
BÓSNIA e HERZEGOVINA
MONTENEGRO

FEDERAÇÃO
DA RÚSSIA

MACEDÔNIA DO NORTE

REPÚBLICA DE MOLDÁVIA
BIELORRÚSSIA

SÉRVIA
UCRÂNIA

ALBÂNIA

África Ásia Europa América Latinae Caribe Oceania

CONGO

EL SALVADOR

MÉXICO

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