Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 147 (2019-10)

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OUTUBRO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 35


rantias. Mesmo antes de se inscrever, a
Adie encomendou à consultoria
KPMG um estudo para medir o impac-
to econômico de todas as suas ações.
O resultado estabeleceu que 1 euro de
subsídio renderia, após dois anos, 2,38
euros de impacto econômico líquido
para a sociedade. Um ano e meio após
o lançamento do programa, quase to-
das as metas foram alcançadas. Dos
320 beneficiários, mais de 260 conse-
guiram sua inserção econômica. “Nós
defendemos a inovação e a experi-
mentação, mas, na verdade, queremos
medir tudo para reduzir a incerteza
inerente a qualquer experimentação”,
critica Nicolas Chochoy, diretor do
Instituto Godin. “Em um mundo com-
plexo, já é difícil isolar a variável que
permite comprovar o vínculo entre
uma ação e um impacto. Para nós, há
um paradoxo ainda maior em combi-
nar inovação e impacto social.”
Um papel fundamental é desem-
penhado por avaliadores e empresas
de auditoria que garantem o famoso
impacto. A KPMG trabalhou durante
toda a fase de montagem do projeto
da Adie e realizará uma avaliação final
seis anos após o início do programa.
“Eles fazem seis auditorias no total,
mas também nos ajudaram a estabe-
lecer metas. Era como um filtro que
esmiuçava todas as nossas propostas,
reorientando-as, propondo métodos
de cálculo”, recorda Olivier, que acres-
centa ter também procurado a ajuda
de um consultor jurídico.
Essas etapas, no entanto, têm um
preço. No quadro de um subsídio pú-
blico convencional, o projeto teria
custado 1,2 milhão de euros. Finan-
ciado por um contrato de impacto so-
cial, foi necessário adicionar 100 mil
euros para pagar todos os intermediá-
rios. O Estado deverá desembolsar pe-
lo menos 1,3 milhão de euros, sem
contar o prêmio por sucesso, que po-
deria elevar a conta final a 1,5 milhão.
Em um editorial publicado em março
de 2016, um coletivo de associações

cidadãs falou em “golpe financeiro”:^15
“Algumas ações realizadas no exterior
por meio do contrato de impacto so-
cial custam ao contribuinte em média
três vezes mais do que se a ação tives-
se sido financiada diretamente pelo
poder público”, escreveu o presidente
do coletivo, Jean-Claude Boual.
É um mercado resplandecente pa-
ra os intermediários. Embora sua re-
muneração não alcance a dos produ-
tos financeiros convencionais, ele
oferece cada vez mais oportunidades.
Até junho de 2019, quase 130 progra-
mas estavam em andamento no mun-
do, mobilizando mais de 350 milhões
de euros.^16 Na França, antes do contra-
to da Médecins du Monde, outros três
foram assinados este ano entre o Mi-
nistério da Transição Ecológica e Soli-
dariedade, três associações (Wimoov,
Article 1 e La Cravate Solidaire) e o
BNP Paribas.
Prova do sucesso do conceito nos
escalões superiores, borbulham nas
grandes escolas de administração os
cursos ligados ao “investimento de
impacto”. A École des Hautes Études
Commerciales (HEC) de Paris propõe
formar “idealistas realistas”: “Se você é
um sonhador que leva em conta a di-
nâmica dos mercados, você tem uma
vantagem estratégica sobre seus con-
correntes”, garante o folheto do curso
de Administração.
Em suas recomendações, o HCVA
alertou, em 2016, sobre a necessidade
de “continuar prestando serviços
sociais às pessoas mais vulneráveis” e
de considerar os contratos de impacto
apenas como um complemento aos
mecanismos de proteção social. Sua
generalização não é para amanhã,
garantem. “Estamos realmente no
mundo do projeto, com empreende-
dores sociais que realizam programas
locais fazendo arranjos ad hoc. Isso é
insustentável em termos de política
pública”, avalia Ève Chiapello. Outros
temem a concorrência entre associa-
ções, projetos e atores públicos: “Se é

mais fácil obter o resultado na Île-de-
-France do que em Corrèze – por
exemplo, porque o mercado de traba-
lho é mais estável, mais denso, mais
ativo –, há o risco de Corrèze ser aban-
donada pelos investidores”, destaca a
e-RSE, uma plataforma de assessoria
sobre responsabilidade corporativa.
O governo garante que salvaguar-
das permitirão criar um modelo “à
francesa”, que protegeria contra osci-
lações orçamentárias: sem validação e
compromisso prévio dos ministérios
envolvidos, nada de contrato. Ele tam-
bém garante que os contratos de im-
pacto social devem se manter no do-
mínio da experimentação de projetos
orientados para a prevenção e que, se
bem-sucedidos, sua continuidade se-
rá assegurada pelo Estado. O único
porém é que até o momento nenhu-
ma garantia foi feita. “Se nossos obje-
tivos forem alcançados, ninguém po-
derá dizer que nossa ação não
funciona”, reconhece o diretor finan-
ceiro da Adie. “Mas não recebemos
nenhuma promessa de financiamento
após 2020. Em teoria, explica-se que
nenhum risco pesa sobre o operador.
Como criamos cinco postos para esse
programa, é necessário que os subsí-
dios não sejam suspensos no final.”
Na fase experimental, o futuro dos
contratos de impacto social perma-
nece incerto na França, apesar da
inabalável convicção de seus promo-
tores. “Os italianos, assim como os in-
gleses, liberaram fundos específicos
de dezenas de milhões de euros. A
ideia seria fazer a mesma coisa aqui:
colocar alguns milhões em questões
sociais transministeriais para dar a
partida”, espera Langendorff. O Esta-
do já optou por intervir, em favor da
criação de um mercado do social. Se-
rá que veremos, em breve, os ministé-
rios se contentarem em fazer o papel
de intermediar e organizar, como já
ocorre em Londres, reuniões expres-
sas entre associações de caridade e fi-
nanciadores?

*Margot Hemmerich e Clémentine Mé-
ténier são jornalistas.

1 Relatório “The homelessness monitor: England
2018” [Observatório dos sem-teto: Inglaterra
2018], Crisis UK, Londres, abr. 2018.
2 “320.000 people in Britain are now homeless, as
numbers keep rising” [320 mil pessoas na Grã-
-Bretanha estão desabrigadas, e os números
aumentam], Shelter, Londres, nov. 2018. Dispo-
nível em: <https://england.shelter.org.uk>.
3 Benjamin Le Pendeven, Yoann Nico e Baptiste
Gachet, “Social Impact Bonds, uma nova fer-
ramenta para financiar a inovação social”, Les
Notes de l’Institut, Institute of Enterprise, Pa-
ris, 2015.
4 Frédéric Marty, “Les contrats à impact social:
une nouvelle génération de PPP pour les politi-
ques sociales” [Contratos de impacto social:
uma nova geração de PPP para políticas so-
ciais], Politiques et Management Public, n.33
(3-4), Cachan, 2016.
5 Jean-Pierre Sueur e Hugues Portelli, “Rapport
d’information sur les partenariats publics-privés”
[Relatório de informações sobre as parcerias
público-privadas], Senado, Paris, 16 jul. 2014.
6 “Building an evidence base of costs” [Cons-
truindo uma base de dados sobre custos], New
Economy, Manchester. Disponível em: <http://
neweconomymanchester.com>.
7 “Social Impact Bonds: state of play & lessons
learnt” [Títulos de impacto social: situação atual
e lições aprendidas], Organização para a Coo-
peração e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Paris, 2016.
8 Nathaniel Popper, “Success metrics questio-
ned in school program funded by Goldman”
[Métricas de sucesso questionadas no progra-
ma escolar financiado pelo Goldman], The New
York Times, 3 nov. 2015.
9 Nicolas Madelaine, Les Échos, Paris, 4 set.
2014.
10 Ronald Cohen, “Revolutionising Philanthropy:
Impact Investment” [Revolucionando a filantro-
pia: investimento de impacto], Mansion House
Speech, Londres, 23 jan. 2014.
11 Desde então chamado de Mouvement des En-
trepreneurs Sociaux (Mouves, Movimento dos
Empreendedores Sociais).
12 Hugues Sibille, “Comment et pourquoi favoriser
des investissements à impact social” [Como e
por que promover investimentos de impacto so-
cial], relatório do Comitê Francês sobre Investi-
mentos de Impacto Social, set. 2014.
13 “Avis du HCVA relatif à l’appel à projets ‘social
impact bonds’” [Parecer do HCVA sobre o edi-
tal de projetos “social impact bonds”], Paris, 2
mar. 2016.
14 “Social Impact Bonds: state of play & lessons
learnt”, op. cit.
15 Coletivo de Associações Cidadãs, “Quand le
social finance les banques et les multinationa-
les” [Quando o social financia bancos e multi-
nacionais], Le Monde, 10 mar. 2016.
16 Segundo a plataforma de finanças sociais So-
cial Finance. Disponível em: <https://sibdata-
base.socialfinance.org.uk>.

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