Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 147 (2019-10)

(Antfer) #1

OUTUBRO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 37


Promessas: isso os Lib Dems tam-
bém não deixaram de fazer. Uma de-
las, em especial, encontrou eco junto
a seu eleitorado, no qual não faltam
bacharéis: a abolição das taxas de
matrícula nas universidades. “Dese-
jamos que as taxas de matrícula na
universidade sejam pura e simples-
mente suprimidas”, explicou Clegg.
“Não é normal que os jovens sejam
esmagados por tal nível de endivida-
mento antes mesmo de ensaiar os
primeiros passos no mundo dos adul-
tos, o mundo do trabalho.”
Por algum tempo, os ventos do su-
cesso enfunaram as velas de Clegg, e
as intenções de voto não podiam ser
mais auspiciosas. Seu rosto de boneca
e seu modo de falar como se convi-
dasse os interlocutores a sondar sua
alma faziam-no passar pelo “tipo ho-
nesto” de que o país precisava, num
momento em que vários escândalos
de enriquecimento pessoal desacre-
ditavam ainda mais a classe política.
Algumas pesquisas previam sua vitó-
ria, enquanto a imprensa repisava a
“cleggmania” que se apossara do rei-
no. Os resultados, em 6 de maio de
2010, mostraram que a bolha Clegg
era principalmente midiática: o parti-
do só avançou 1 ponto percentual em
relação a seu score de sempre e perdeu
cinco cadeiras no Parlamento.
Como os conservadores não con-
quistaram a maioria, os Lib Dems as-
cenderam ao poder no quadro de
uma coalizão inimaginável na época
de Kennedy, mas à qual Clegg, em seu
The Liberal Moment, se havia declara-
do aberto (a única aliança que ele
não queria era a dos trabalhistas, ain-
da demasiadamente “coletivistas” a
seus olhos).
Durante a campanha, o dirigente
conservador David Cameron prome-
tera aos britânicos uma violenta tera-
pia de austeridade. Com seu ministro
da Economia, George Osborne, e um
governo formado por um número re-
corde de milionários, ele manteve

suas promessas. Os Lib Dems ressal-
taram os êxitos do governo do qual
participavam – por exemplo, a legali-
zação do casamento homossexual
em 2013 –, mas a imagem de Clegg fi-
cou para sempre manchada em vir-
tude de sua reviravolta na questão
dos direitos de matrícula na univer-
sidade. Em vez de pôr termo à evasão
estudantil, o governo a agravou.
Clegg, irritado com a incredulidade
de seu eleitorado, declarou que este
demonstrava uma “emotividade
v i s c e r a l ”.^3

A coalizão foi um desastre para o
Partido Liberal Democrata. Incapaz
de introduzir as medidas emblemáti-
cas de seu programa, partilhou a res-
ponsabilidade por uma austeridade
que amputou em média 10% da renda
dos britânicos. A aliança permitiu
aos conservadores, sem que eles dei-
xassem de governar à direita, abafar
sua reputação de “partido malvado”
(nasty party), mas prejudicou a dos
Lib Dems. Obtendo apenas 8% dos
votos nas eleições gerais de 2015, per-
deram seu tradicional terceiro lugar
em proveito do Partido pela Indepen-
dência do Reino Unido (Ukip), que
milita pela saída da União Europeia.
Nada melhorou em seguida. A for-
mação tentou fazer esquecer o cala-
mitoso período da coalizão, elegendo
como líder, em julho de 2015, Timothy
Farron, um anglicano praticante e
centrista. Mas o centro-liberal logo se
viu atacado por todos os lados. Em sua
direita, pelos Tories, cuja faixa reacio-
nária ia se tornando cada vez mais po-

derosa. Em sua esquerda, por Corbyn,
eleito para a direção do Labour al-
guns meses depois de Farron. Este o
qualificou de “pior dirigente político
da história”, resolvido a “entregar o
setor privado a seu delírio igualitá-
r i o”.^4 Ou seja, um homem tão perigoso
que os Lib Dems logo anunciaram es-
tar disponíveis para uma nova coali-
zão com os conservadores, se isso aju-
dasse a deter os trabalhistas.
Em 2016, o referendo do Brexit
permitiu que o partido se distinguis-
se. Enquanto a Europa era criticada


  • quer pelos brexiters conservadores
    por causa do excesso de suas prote-
    ções sociais, quer por Corbyn em vir-
    tude de sua orientação pró-patronal
    –, os Lib Dems defendiam a perma-
    nência na União. Sua fé nas virtudes
    da democracia não foi suficiente pa-
    ra convencer Farron a aceitar o vere-
    dito das urnas: ele propôs a organi-
    zação de um segundo referendo, que
    viesse corrigir o resultado do primei-
    ro. “Isso não seria ‘desrespeitoso’ pa-
    ra com os eleitores?”, perguntou Sir
    Vincent Cable, importante figura do
    partido, enquanto o ex-chefe da for-
    mação, Lorde Jeremy Ashdown, ig-
    norava se as pessoas que haviam vo-
    tado Remain [Ficar] queriam
    verdadeiramente se pronunciar de
    novo.^5 Farron e Clegg deixaram de
    lado suas reservas e propuseram um
    segundo referendo como principal
    tema da campanha para as eleições
    gerais de 2017. Mais um fracasso nas
    urnas: os Lib Dems ficaram estagna-
    dos em 8% no plano nacional. Clegg
    perdeu sua cadeira de deputado para
    um candidato trabalhista e se refu-
    giou no Facebook, do qual se tornou
    lobista.


ETERNO TERCEIRO LUGAR
Dois anos depois, no entanto, o vento
talvez tenha mudado. Num contexto
paradoxal em que os empresários pa-
recem ter perdido seus canais de co-
municação privilegiados com o po-

der – até então, sempre puderam
contar com pelo menos um dos dois
grandes partidos para defender seus
interesses (frequentemente com os
dois) –, os Lib Dems surgiram como a
encarnação da eurofilia pró-patro-
nal. Agora dirigida por Joanne Swin-
son, várias vezes ministra na coali-
zão conservadores/Lib Dems, a
formação se valeu do ódio que os
brexiters conservadores e o “radical”
Corbyn inspiram na imprensa domi-
nante. Beneficiou-se também da
união de deputados dos dois lados:
conservadores pró-europeus e traba-
lhistas de direita.
A mídia, porém, não determina
sozinha a opinião pública. A despeito
de todos esses apoios, as pesquisas só
prometem aos liberais democratas
seu eterno terceiro lugar em caso de
eleições gerais. Seu papel poderia en-
tão se reduzir a beliscar uma parte
dos votos dos trabalhistas pró-euro-
peus, facilitando a vida de Johnson,
ainda mais que Swinson prometeu,
em 9 de setembro, pura e simples-
mente anular o Brexit caso fosse elei-
ta. Sua disposição de espezinhar o
voto de mais de 17 milhões de britâ-
nicos favoráveis à saída (a maioria)
talvez incite o dirigente conservador
a fazer o mesmo com aqueles que
preferem a permanência.

*Richard Seymour é autor de The Twit te-
ring Machine [A máquina de tuitar], The In-
digo Press, Southampton, 2019.

1 Eleições das quais o reino descobriu tardia-
mente que iria participar, pois as negociações
sobre a saída da União Europeia ainda não fo-
ram concluídas.
2 Para ver esse vídeo, bem como o mencionado
no parágrafo seguinte, ambos traduzidos,
acesse: <3 Nicholas Clegg, Politics. Between
the Extremes [Política. Entre os extremos], The
Bodley Head, Londres, 2016.
4 Comunicado de imprensa de 16 de janeiro de
2016.
5 Heather Stewart e Jessica Elgot, “Lib Dem split
emerges over policy of seeking second EU re-
ferendum” [Lib Dem dividido quanto à política
de um segundo referendo da UE], The Guar-
dian, Londres, 19 set. 2016.

A linha moderada
de Kennedy não satisfa-
zia a ala direita, particu-
larmente irritada com
seu veto à proposta de
privatização do Correio

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