Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 147 (2019-10)

(Antfer) #1

38 Le Monde Diplomatique Brasil^ OU T U BRO 2019


NOVAS NARRATIVAS DA WEB

Sites e projetos que merecem seu tempo

NO RASTRO DE UM TORTURADOR
Uma série documental, uma reportagem
em texto e, mais tarde, pela produtora
Eder Content, um jogo de tabuleiro foram
as formas que a investigação do UOL se
serviu para distribuir seu conteúdo jor-
nalístico. Foram mais de treze horas de
entrevistas com o tenente-coronel Paulo
Malhães, ex-agente do Centro de Infor-
mações do Exército (CIE), que falou so-
bre quase tudo o que lhe foi perguntado
nos meses que antecederam sua morte,
em 2014. Ele foi um dos únicos a contar
como eram, em detalhes, as práticas da
repressão durante a ditadura.
<http://bit.ly/rastro-torturador>

PUSSYPEDIA
Um raro local na web com material de
qualidade especializado no corpo femini-
no. Produzido de maneira colaborativa por
pessoas no mundo todo, é uma platafor-
ma para facilitar o acesso à informação.
Um dos destaques do site é o modelo em
3D interno e externo de diversas áreas do
corpo da mulher, “para entender onde as
coisas estão e o que são”. Artigos, todos
rigorosamente checados, também fazem
parte do acervo. Educativo, bem produzi-
do, multimídia.
<http://pussypedia.net>

MAPA DO LIXO
Mais da metade do lixo do estado de São
Paulo acaba em cidades diferentes de
onde é gerado, às vezes percorrendo até
300 km para chegar a aterros sanitários,
quase todos privados. Os paulistas pro-
duzem aproximadamente 320 kg de resí-
duos por pessoa por ano. O mapa interati-
vo do lixo mostra para onde vai aquilo que
você joga fora. O trabalho é de Bernardo
Loureiro, urbanista e programador, espe-
cializado em mapeamento, análise e visua-
lização de dados. É criador do laboratório
de visualização urbana Medida SP.
<http://bit.ly/mapadolixo>

[Andre Deak] Diretor do Liquid Media
Lab, professor de Jornalismo e Cinema na
ESPM, mestre em Teoria da Comunicação
pela ECA-USP e doutorando em Design
na FAU-USP.

livros internet


O


livro que Frei Betto lança agora, “para atender a
movimentos populares empenhados na forma-
ção de militantes”, tem um texto didático, de fácil
compreensão, que apresenta e comenta, de uma
perspectiva histórica, a evolução dos modos de pro-
dução ao longo da história da humanidade, demons-
trando que é possível tratar de temas tão complexos
com clareza e simplicidade.
Na análise sobre a forma atual do capitalismo, Frei
Betto mostra que só há futuro, só há esperança,
se a humanidade superar este modo de produção
e caminhar para uma sociedade que organize sua
economia para atender às necessidades das maio-
rias. Esse novo modelo de sociedade, Frei Betto
chama de socialismo. Atento aos limites da teoria,
ele demarca a diferença entre a utopia socialista e

MISCELÂNEA


O MARXISMO
AINDA É ÚTIL?
Frei Betto,
Cortez

a realidade das experiências de socialismo real, que
fracassaram em superar contradições.
A ética está à frente de tudo, ela orienta a ação
política. Na contramão das políticas neoliberais,
esse novo modelo propõe um Estado forte, capaz
de ter políticas de inclusão social e de qualidade
para áreas como saúde, educação, moradia, enfim,
capaz de respeitar os direitos humanos e torná-los o
grande farol das políticas e dos governos.
A história não acabou, o capitalismo não é eter-
no, mas Frei Betto avisa que ele não termina sozi-
nho. São as lutas dos trabalhadores, isto é, de todos
aqueles que vivem do próprio trabalho, que fazem a
história. E o livro é um convite a explorarmos o que
é esse imaginário socialista nos dias de hoje, pois
“as motivações que levam uma pessoa a aderir à
luta política são mais da ordem do imaginário que
da razão”.
Nesse imaginário, a apropriação do poder pelos
trabalhadores é central. Daí o desafio de construir
novas formas de democracia, enraizadas no cotidia-
no, sem a delegação de poderes que o modelo atual
impõe. Socialismo e um novo modelo de democracia
são indissociáveis. E os construtores dessa nova so-
ciedade são os trabalhadores.

[Silvio Caccia Bava] Diretor do Le Monde Diplo-
matique Brasil.

E


stranhar intimidades com uma prosa capaz de
prospectar o relevo da experiência. Tendo na vio-
lência seu dínamo, Bolaño [1953-2003] estabele-
ceu nessa obra um compasso único para a literatura
no continente americano em nosso tempo: a sensi-
bilidade de colocar o horror sob a condição históri-
ca da normalidade. A literatura nazista na América,
publicado em 1996, é quase sua segunda certidão
de nascimento.
Esculpindo um nicho literário como prisma de uma
época, o narrador que nos fala do futuro erige uma
antologia de oitenta anos, de 1930 a 2010, com es-
critores (filo)nazistas que nos legaram necroescri-
tos, menos ficcionais que seus donos, como preten-
deu Bolaño. El Cuarto Reich Argentino, Rebeldes
Blancos e Ciudad en Llamas são, respectivamente,
uma editora e algumas revistas portadoras desses
ensaios perversos que traduzem nossos laborató-
rios do descarte humano.

A LITERATURA
NAZISTA NA AMÉRICA
Roberto Bolaño,
Companhia das Letras

A cultura ornamental das elites, seu ecletismo
reacionário, o recalque sexual e a escatologia, a
agressividade homofóbico-racista, o tosco requin-
te decadente, a cumplicidade dos setores médios
com a brutalização, os esboços literários nazis, a
permeabilidade do fascismo na cultura – a fascisti-
zação via desencantamento e esterilização da alte-
ridade – são traços de uma temporalidade do terror
materializados em poesias rebuscadas, longas, épi-
cas e vazias, em contos e sonetos superficiais com
centenas de estrofes e páginas.
Membros de esquadrões da morte, aristocratas
frustrados, cristãos canalhas, chefes de torcidas de
futebol organizadas, filósofos funcionais à barbárie,
autoras hitleristas: ao estilo de uma saga da intelec-
tualidade nazista por aqui, Bolaño alinhava histórias
prenhes de detalhes biográficos e sonhos malditos,
numa enciclopédia assombrosa por evidenciar a vio-
lência dissimulada que a literatura encarna.
Nunca precisamos tanto exumar os traumas enter-
rados a sete palmos de nossa cova-memória social.
E mais rápido do que aqueles que têm desenterrado
o medo para trazer-nos suas camadas inauditas.

[Eduardo Rebuá] Historiador, doutor em Educa-
ção, professor adjunto de Educação da Universida-
de Federal da Paraíba [UFPB] e professor adjunto
credenciado do Programa de Pós-Graduação Stric-
to Sensu em Educação da Universidade Federal
Fluminense [UFF]. Autor de Insólito Benjamin, NAU
Editora, Rio de Janeiro, 2019.

@RIVA


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