8 quatro rodas outubro
carta ao leitor
Ao mestre com carinho
Zeca chaves
Redator-chefe
H
ouve um tempo em que a cria-
ção de um automóvel bonito
exigia papel, lápis, criatividade
e muita paixão pelo que se fazia. Um
pouco diferente do cenário atual,
comandado pelos softwares gráfi-
cos, controle rígido de custos e res-
trições de engenharia e legislação.
Foi naquela era dourada que des-
pontou Anísio Campos. Maior refe-
rência do design automotivo brasi-
leiro, foi único porque aliou talento à
realização: colocava nas ruas carros
que a maioria só tinha coragem de
rabiscar em cadernos escolares.
Nem todos sabem que sua carrei-
ra começou como piloto, na década
de 50. A proximidade com os mode-
los de corrida o levou a desenhá-los.
Das pistas, vieram projetos que lhe
dariam prestígio nacional. Entre
eles, o Carcará, recordista brasileiro
de velocidade em 1966 – seu motor-
zinho 1.0 aspirado alcançou 213,
km/h na antiga Rio–Santos.
Daí em diante, Anísio abraçou o
mercado, dando vida a modelos mui-
tas vezes artesanais, como o celebrado
Puma-DKW (1967). Também teve
tempo para flertar com o pioneirismo.
Concebeu o primeiro buggy brasilei-
ro, o Tropi Kadron (1969), e insistiu
em subcompactos, num tempo em
que tamanho era documento, caso de
Dacon 828 (1982) e PAG Nick (1987).
Se ele não era uma unanimidade
no resultado final dos seus dese-
nhos, polêmico demais para o gosto
de alguns, em uma coisa todos con-
cordavam: coragem não lhe faltava.
Foi essa ousadia que o fez abraçar
um projeto inusitado, até para os
anos 60. Ajudar a criar um esportivo
especialmente para uma revista de
automóveis, que seria sorteado para
apenas três leitores. Assim nasceu o
elegante Puma GT 4R, em 1969.
Ironicamente, alguns dizem que um
de seus mais belos trabalhos é um
modelo que nunca foi vendido e
pouquíssimos viram ao vivo.
Anísio partiu no último dia 14 de
setembro, aos 86 anos. Mas deixou
uma conexão especial com a comu-
nidade QUATRO RODAS. Seja pelas
dezenas de vezes que avaliamos e
testamos seus carros, seja pela obra
-prima que concebeu para nós com
tanto carinho e talento. Na verdade,
ele deixou um legado que é bem
maior do que seus 40 anos de dedi-
cação ao design brasileiro.
Obrigado por tudo, mestre Anísio.
Anísio Campos na sua última matéria na QUATRO RODAS, em 2013, com um dos seus trabalhos preferidos, o biposto de corrida AC
Puma-DKW:
fama nacional
Dacon 828:
carro urbano
GT 4R: apenas
para sorteio