Clipping Jornais - Banco Central (2022-05-28)

(Antfer) #1

Piscar (; ) e chorar (; -; )


Banco Central do Brasil

Jornal Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustrada
sábado, 28 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Clique aqui para abrir a imagem

Autor: Mario Sergio Conti


O ponto e vírgula corre risco de extinção: o simpático
sinal de pontuação não foi usado nos últimos três dias
na Folha. Até os colchetes, mais afeitos à linguagem
matemática, apareceram; ponto e vírgula que é bom,
nenhunzinho. Em contra partida, abundam os pontos de
exclamação, enterrados no jornal pelo bate-estaca de
colunistas fanfarrões. Sem argumentos, e de maus
bofes, infligem seu ponto de vista aos


gritos: 'Quem entende disso sou eu, sua anta! Vê se te
manca!'. Adicione-se ao estrondo exclamativo o ponto
final por extenso e, pronto, eis Bolsonaro, o Mandão. 'E
ponto final!' urra ele após excretar meia dúzia de
mentiras, barrando no berro qualquer diálogo. O ponto
de exclamação impõe ordem unida, sujeita. Escasseiam
também as reticências, irônicas ou não; o travessão,
que abre uma fala ou completa o escrito; até os
parêntesis, que encapsulam outro sentido, como faz
Drummond em '(não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio nesta concha)'. O emprego cada vez
mais rarefeito de sinais de pontuação significa algo?
Perguntar isso não é procurar pelo em ovo? Afinal,


pontos e vírgulas são ciscos que, ao se soltarem da
casca imaculada do texto-ovo, entram no olho e
atrapalham a leitura...

A pontuação é uma forma histórica. Os livros de
Aristóteles, Platão e da Bíblia não a tinham; nem
minúsculas; nem espaço entre as palavras! Deus não
escrevia certo por linhas tortas; escrevia embolado. O
evangelho de João começava assim:

NO PRINCÍPIO ERA O VERBO E O VERBO ESTAVA
EM DEUS E O VERBO ERA DEUS.

Foi com tijolos textuais como esse que se construiu o
saber ocidental. Porque, como disse

Aristóteles, O HOMEM É UM ANIMAL POLÍTICO.
Gregários, os homens adotam convenções para se
comunicar e mudar; mudar inclusive as convenções

Foi o que fez Aldus Manutius, o editor veneziano que,
em fevereiro de 1494, inventou o ponto e vírgula. Quem
conta sua história é a professora Cecelia Watson, num
livro delicioso, 'Semicolon: Past, Present, and Future of
a Misunderstood Mark' (Ecco Press, 224 págs. ).

Renascentista, Manutius queria popularizar o
conhecimento. Não havia padronização nem academias
que policias sem o idioma. Era uma al gazarra. Cada
um pontuava como lhe desse na telha.

Ao publicar 'O Etna'; ensaio em forma de diálogo sobre
o vulcão, de autoria do cardeal Pietro Bembo, Manutius
teve a divina ideia de captar a elocução do distinto
prelado. Criou o símbolo gráfico que marca pausa maior
que a da vírgula e menor que a do ponto.

Com a obra pronta, vieram as regras: o ponto e vírgula
separa orações numa mesma frase; organiza listas;
economiza conectivos (e) ou adversativas (mas).
Permaneceu perene, porém, o preceito básico -registrar
um silêncio específico, advindo da linguagem oral.
Free download pdf