Clipping Jornais - Banco Central (2022-05-28)

(Antfer) #1

O monstro que habita em nós


Banco Central do Brasil

Jornal O Globo/Nacional - Opinião
sábado, 28 de maio de 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: ATILA ROQUE


O Rio de Janeiro é mais uma vez convidado a se olhar
no espelho e dizer se reconhece a imagem monstruosa
ali refletida. Em poucas horas, uma operação policial na
Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio, deixou pelo
menos 23 mortos, incluindo uma moradora atingida por
um tiro na porta de casa. As cenas de corpos retirados
de caçambas de caminhonetes na portado hospital
Getúlio Vargas, diante dos olhares desesperados de
familiares, são de uma violência insuportável.


No entanto temos sido capazes de suportar essa e
outras cenas piores. Em novembro do ano passado,
moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo,
tiveram de retirar de um manguezal, comas próprias
mãos, os corpos brutalizados de oito pessoas mortas
pela polícia, numa chacina ocorrida em represália à
morte de um policial militar durante operação na
comunidade.


A operação da terça-feira, realizada em conjunto pelas
polícias Militar (Bope) e Rodoviária Federal,
supostamente baseada em 'meses de investigação e


inteligência', não é a primeira a resultar em chacinas
com números assombrosos de mortos e praticamente
nenhum resultado de segurança pública. No início de
maio, completou um ano o massacre do Jacarezinho,
onde 28- a maioria jovens negros - foram mortos
durante uma operação policial que chocou o país pela
brutalidade e pela determinação em matar todos os
suspeitos, alguns desarmados escondidos dentro de
casa. É difícil apagar da memória as imagens do quarto
de uma criança inundado do sangue de um rapaz
executado por policiais quando tentava se esconder.

Em apenas um ano, foram registradas no Estado do Rio
de Janeiro 179 mortes em 39 chacinas, segundo
levantamento feito em conjunto pelo Instituto Fogo
Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos
Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense.
Jacarezinho e, agora, Vila Cruzeiro, se transformaram
nas duas maiores chacinas na História do Rio, ambas
ocorridas durante o mandato do atual governador.
Esses eventos reforçam o que parece ser uma
orientação tácita das ações policiais: não fazer
prisioneiros. Apenas em 2021, segundo o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, policiais do Rio
mataram 1. 356 pessoas, cerca de 22% do total de
mortes em intervenções policiais no Brasil. Estamos
diante de uma política intencional de extermínio,
mascarada de política de combate ao crime.

Uma rotina de violência e impunidade que se reproduz -
a despeito das fanfarronices eleitoreiras nas redes
sociais das autoridades - a partir de planos de ocupação
apressados e mal reciclados de experiências frustradas
do passado. Vivemos hoje uma guerra. Mas não é a
guerra propalada pelas autoridades públicas como uma
guerra heroica do bem contra o mal, da lei contra o
crime. O que vemos, efetivamente, é uma guerra suja,
sem regras e sem lei, em que o Estado opera como
uma máquina de extermínio de pobres e pretos. Tem
objetivo de satisfazer um desejo difuso de morte e de
eliminação de todos os que são vistos como
indesejáveis, majoritariamente pretos e pobres.
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