Clipping Revistas - Banco Central (2022-05-28)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

Revista Veja/Nacional - Cultura
sexta-feira, 27 de maio de 2022
Banco Central - Perfil 1 - Pix

inclusive, o honorável dicionário Oxford reconheceu o
termo como um verbo que define as ações de “fãs
excessivamente zelosos ou obsessivos com uma
celebridade em particular”.


As estrelas do pop atual sabem bem o valor desses
devotos: quando a força de mobilização é canalizada a
seu favor, esses milhões de “stans” se convertem em
milícias digitais poderosas, capazes de dinamitar velhas
certezas sobre o que determina ou não o sucesso. O
uso dos fãs como massa de manobra para se cacifar
nas paradas ou causar barulho na internet foi levado ao
estado da arte nos últimos anos por artistas do K-pop
coreano, com o grupo BTS à frente. E logo incorporado
como um arsenal obrigatório por um arco que vai dos
americanos Justin Bieber e Lady Gaga às brasileiras
Anitta e Juliette.


O efeito mais notório da nova relação dos artistas com
seus fãs é a manipulação — às vezes no mau sentido
— dos rankings musicais. Hoje, quando uma canção
atinge o topo das paradas, não significa
necessariamente que ela é um hit, mas que por trás
desse resultado há um artista engajado e um fã-clube
muito organizado. O novo single de Juliette, Cansar de
Dançar, atingiu na última semana o primeiro lugar das
músicas mais vendidas na loja do iTunes em 48 países
graças ao esforço dos fãs.


A estratégia consistiu em pedirem doações por Pix (sim,
chegamos ao ponto do sucesso negociado em Pix) de
valores entre 1 e 10 reais. Depois, transferiram o
dinheiro para pessoas espalhadas em vários países —
nem sempre fãs da cantora — para comprar a música
dela. A tática fez Juliette alcançar o primeiro lugar de
vendas em localidades tão díspares quanto Botsuana e
Uzbequistão. Já com Anitta, a tática foi semelhante à
utilizada pela americana Taylor Swift. Os fãs
organizaram stream parties, movimentos digitais que
consistem em incluir uma música em várias playlists e
ouvi--la sem parar nos serviços de streaming para ela
subir nas paradas. Foi assim que o single Envolver


chegou ao primeiro lugar do ranking global do Spotify e
também da Billboard.

Anitta obteve um resultado tão acachapante que, da
mesma forma que certo político que muito ela critica nas
redes, levantou suspeitas de ter usado robôs para
adulterar os números — algo improvável, segundo
quem conhece esse mercado. “O artista que consegue
controlar seus fãs detém o verdadeiro poder. Quando
falamos de Anitta ou Juliette, estamos tratando de
pessoas que sabem como usar sua audiência cativa”,
analisa Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm Brasil,
plataforma de distribuição digital de música e
engajamento de público. “Cada conquista é um troféu
para os fãs e a vitória do artista também é dos fãs”,
completa.

Que uma base fanática pode ser um patrimônio notável,
é um fenômeno que se conhece ao menos desde o
advento da beatlemania, nos anos 1960. Agora,
contudo, essa relação passa por uma guinada radical.
Se antes os fãs se limitavam a ligar nas rádios pedindo
músicas ou assediavam artistas nos shows, nos tempos
digitais eles se assemelham a um exército de vikings
prontos para invadir redes, sites e perfis com fúria, ao
mínimo comando de seu líder. Os fãs do BTS chegam
ao cúmulo de ter um manual que ensina como tornar
uma canção hit mundial. Entre as dicas está a de não
tocar a música em sequência para não levantar
suspeitas do uso de robôs; em vez disso, recomenda-se
criar uma playlist e intercalar a nova canção com faixas
de outros álbuns. A regra mais prosaica: não é
necessário nem sequer ouvir a música, basta plugar um
fone de ouvido e deixar tocando sozinho. É comum
também ocorrer parcerias com fã-clubes de outros
artistas no exterior, geralmente coordenadas no Twitter
e Instagram.

As táticas são tão organizadas que os fãs de BTS
ganharam o apelido de “Army” (exército), e hoje cada
artista tem um nome para chamar seus fãs. Como
Juliette é nordestina, seus seguidores se
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