Clipping Revistas - Banco Central (2022-05-28)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

Revista Carta Capital/Nacional - Economia
sexta-feira, 27 de maio de 2022
Banco Central - Perfil 1 - Davos

tradicional, reforçando a função estabilizadora do
Estado em momentos de crise. Alguns anos depois, foi
a vez do famoso macroeconomista Paul Romer
questionar os métodos da abordagem convencional em
seu artigo “The Trouble With Macroeconomics”. Essa
reconstrução teórica ganhou força com trabalhos que,
utilizando novas metodologias, reavaliaram o papel da
política fiscal na atividade econômica, até então
relegado ao segundo plano e às amarras da doutrina do
“orçamento equilibrado”. O debate sobre multiplicadores
fiscais, virtualmente abolido pela teoria novo clássica,
ganha outro fôlego com pesquisas promovidas pelo
Congressional Budget Office dos EUA e pelo próprio
FMI, além de artigos dos reconhecidos
macroeconometristas Auerbach e Gorodnichenko.


Há uma recuperação do debate sobre o papel ativo da
política fiscal, que seria capaz de impulsionar o
crescimento em emprego no curto prazo, mas também
afetar a trajetória de longo prazo das economias. Esses
efeitos de longo prazo ganham força nos debates de
histerese e estagnação secular promovidos por Olivier
Blanchard e Laurence Summers, preocupados com os
efeitos do baixo crescimento e elevado desemprego no
potencial de crescimento futuro das economias centrais.


Ao mesmo tempo, o debate sobre a função distributiva
do Estado estava na obra de Thomas Piketty. Ao obter
acesso a novos dados fiscais e demonstrar como o
modelo neoliberal promoveu a concentração de renda e
riqueza, o autor destaca o papel central da tributação
nesse processo e abre espaço para uma série de outros
pesquisadores aprofundarem suas análises, incluindo
debates sobre os efeitos distributivos dos gastos
sociais.


Obviamente, a revisão teórica não ficou circunscrita ao
debate de política fiscal. A adoção de taxa de juros zero
ou negativa por boa parte dos Bancos Centrais do
mundo foi o gatilho para um profundo debate sobre o os
limites da política monetária, até então entendida como
a cura de todos os males. As discussões sobre o papel


desestabilizador da especulação financeira e sobre a
necessidade de fortalecimento do sistema regulatório
internacional completam uma ampla revisão no
arcabouço de políticas públicas à disposição dos policy
makers.

Não é só no debate acadêmico que observamos
profundas transformações. As políticas públicas
adotadas pelos países centrais têm mudado de
orientação em S relação ao passado recente. Basta
observar o Plano Biden, nos EUA, ou o “Next
Generation EU”, na Europa. Ambos estão marcados
pela ampliação do investimento público voltada para a
transição energética, a descarbonização e a ampliação
o dos serviços públicos, com foco na inovação, na
geração de empregos e na recuperação do crescimento.
Conceitos como 5 “política industrial” voltaram à tona,
assim como a recomposição dos direitos laborais e
sindicais, como visto na recente reforma trabalhista na
Espanha.

O advento da pandemia da Covid-19 acelerou esse
processo de mudança no papel do Estado e da política
fiscal. A aposta na abertura comercial e na inserção
passiva nas Cadeias Globais de Valor (CGV) perdeu
força diante da escassez de insumos e da ruptura das
cadeias produtivas. No mais recente encontro de Davos
se falou em “desglobalização” e muitos países centrais
têm adotado políticas de reshorirg, buscando recuperar
parte das cadeias produtivas fragmentadas mundo
afora. O papel dos estoques reguladores e até mesmo
da regulação de preços de alimentos tem voltado à
pauta, algo impensável uma década atrás. Em resumo,
o mundo mudou e o debate econômico mudou junto.
Infelizmente, os editorialistas da mídia tradicional
seguem a repetir os mesmos bordões que vociferavam
na década de 1990, que, por sua vez, pouco diferiam de
suas posições econômicas observadas durante os
longínquos governos Vargas, JK e Jango. O verdadeiro
atraso no debate econômico brasileiro é o apego
mesquinho a uma espécie de liberalismo vira-lata e
démodé que ainda povoa a imaginação e os sonhos dos
donos da imprensa.
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