Lourival Sant'Anna - A epidemia de armas nos EUA
Banco Central do Brasil
Jornal O Estado de S. Paulo/Nacional - Internacional
Sunday, May 29, 2022
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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O s EUA são um país extraordinário, e vários aspectos
de sua organização servem de inspiração para outras
sociedades. Não é o caso da cultura das armas. Foi o
que comprovou mais uma vez o massacre de 19
crianças e duas professoras, por um jovem de 18 anos,
numa escola da pacata Uvalde, Texas.
Os EUA têm mais chacinas do que a soma de todos os
outros países desenvolvidos. Entre 1998 e 2019, foram
101 nos EUA, 8 na França, 5 na Alemanha, 4 no
Canadá, 3 na Finlândia; 2 na Bélgica, na República
Checa, Itália, Holanda e Suíça; 1 na Austrália, Áustria,
Croácia, Lituânia, Nova Zelândia, Noruega, Eslováquia
e Reino Unido, segundo levantamento do The New York
Times de casos em que quatro ou mais pessoas foram
mortas.
O massacre do Texas teve o maior número de mortos
desde a chacina de 20 crianças e 6 funcionários na
escola primária de Sandy Hook, em Connecticut, em
- De lá para cá, foram registrados 900 incidentes
com tiros em escolas - média de 8 episódios por mês.
No dia 14 de maio, outro jovem de 18 anos abriu fogo
em um supermercado de Buffalo, Nova York, e matou
10 negros. O assassino acredita em uma teoria
conspirativa segundo a qual os não brancos querem
tomar o lugar dos brancos no Ocidente. Já os autores
dos massacres de Sandy Hook e de Uvalde exibiam
sinais de traumas infantis. O primeiro matou a mãe
antes do ataque e o segundo feriu gravemente a avó a
tiros.
As patologias podem variar, mas os criminosos têm algo
em comum: o acesso a armas de grande poder letal. Os
assassinos de Buffalo e de Uvalde estavam protegidos
com coletes e capacetes à prova de bala. Em Buffalo,
um policial disparou contra o assassino mas, por causa
do colete, não conseguiu contê-lo, e foi morto também.
PROTEÇÃO. No mundo todo, traumas psicológicos
podem provocar violência. Mas as consequências
diferem se os agressores têm acesso a uma faca ou a
um fuzil-metralhadora. A causa da violência não é o
acesso às armas. Mas esse acesso multiplica o
sofrimento. Escrevo de Londres, onde a dificuldade de
acesso às armas e o protocolo da polícia de só recorrer
a elas quando necessário resultam em número baixo de
mortes.
A facilidade de comprar armas nos EUA se baseia na
2.ª Emenda da Constituição: 'Uma milícia bem
regulamentada, sendo necessária à segurança de um
Estado livre, o direito do povo de possuir e portar armas
não será infringido'. O texto se refere a uma polícia
estadual, mas é interpretado pelos defensores das
armas como um direito individual.
Depois de grandes massacres como esse, alguns
políticos falam em dificultar o acesso às armas, mas
nunca reúnem apoio no Congresso. A Associação
Nacional do Rifle, que representa os fabricantes de
armas, é a maior financiadora de campanhas eleitorais.
É uma armadilha que nenhum país deveria desejar para
si.
A causa da violência não é o acesso às armas, mas