Voo Livre Revista Literária nº 23

(MARINA MARINO) #1

Leitura


Eseporalgumarazãoeufosse
embora pra Pasárgada, onde seria
amigo do rei, podendo ter as
mulheres que quisesse nacama que
escolhesse? E ainda com a primazia
defazerginástica,andardebicicleta,
montar em burro brabo, subir em
pau-de-seboetomarbanhosdemar!
E mais ainda,podendousar telefone
automático,meentupirdealcaloidee
me esbaldarcom asprostitutasmais
bonitas do reino... porque lá sou
amigodorei.


Não.Não.ManuelBandeira,me
perdoe.Massinceramentenãovejoa
menorgraçaemintegrar umparaíso
emqueparafuncionaréprecisousar
alcaloide, como cocaína, morfina,
crackeoutrosderivados.Alémdeque
subir em pau-de-sebo e montar em
burro brabo são atividades que em
nada me atraem. Por isso nem me
pagandoeuasfaria.Eouvirasvelhas
histórias da infância, contadas pela
mãe-d’água, confesso que até me
assustaumpouco.


Masvoltandoaocontextosocial
dePasárgada,quantaspessoasteriam
quesesubmeteràtiraniadoreipara
que me fosse proporcionado o gozo
davidacom asprostitutasdeminha
preferência na cama de minha
escolha? Quanta gente não seria
preterida em suas necessidades e
pretensõesparaqueeu,quenadafiz
pelo povo de Pasárgada, pudesse
usufruir dos prazeres mundanos, só
porquetenholáminhaspeixadascom
o tirano dolugar?Quantas crianças
teriamqueficarsem escolas,quanta
gente teria que ficar sem acesso à
saúde de qualidade, sem segurança
pública, sem estradas, sem pontes,
sem eletricidade, sem saneamento
básico,sóparaqueosamigosdorei,
como eu, pudessem gozar a vida
adoidado.
Quantas pessoas não seriam
cooptadas pelo tráfico,quanta gente
não seria viciada para manter o
esquemacriminoso,quantasgerações
nãoseriamenfraquecidasealienadas,
quantagentenãoteriaquemorrerou
mesmo ficar paranoica pelo uso
desregradodosalcaloidesparaqueos

Não, pra Pasárgada, não

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