Saúde é Vital - Edição 438 (2019-01)

(Antfer) #1

N


ofim de 2018, uma pesquisa feita
com mais de 68 mil pessoas causou
um verdadeiro rebuliço ao associar
a preferência por alimentos orgâni-
cos a uma menor probabilidade de encarar
alguns tipos de câncer. Para a investigação
desse elo, os voluntários responderam pe-
riodicamente a um questionário, no qual
forneceram informações sobre o consumo
de 16 itens. Após sete anos, contabilizou-
-se a incidência da doença na turma. Foi
daí que saiu o dado que chacoalhou a co-
munidade científica: quem priorizava os
orgânicos estava mais protegido contra os
tumores — o risco de enfrentá-los era 25%
menor, segundo cálculo dos autores. Para
os linfomas, o número impressionou mais,
já que o perigo despencou 73%.
Publicado no periódico Jama Internal Me-
dicine, o resultado merece algumas ponde-
rações. Primeiro, trata-se de um estudo de
associação, ou seja, apenas compara dois
dados em vez de mostrar uma relação clara
de causa e efeito. Outra crítica vem do fato
de o levantamento não ter dosado os resídu-
os dos agrotóxicos presentes no organismo
dos participantes — o que poderia trazer à
tona uma ligação mais direta ou não. Ape-
sar de justos, esses argumentos não tiram
omérito do trabalho. Para focar exclusiva-
mente nos orgânicos e evitar confusões, os
cientistas excluíram outros fatores classica-
mente ligados à doença. “E, mesmo quando
controlamos histórico familiar, tabagismo,

qualidade da dieta como um todo e nível
socioeconômico, não houve alteração signi-
ficativa nos desfechos”, relata a nutricionis-
ta e coordenadora do estudo Julia Baudry,
da Universidade de Paris, na França.
Mas também não vá esperando milagres.
“O câncer é uma doença multifatorial. Por-
tanto, não adianta optar pelo orgânico e
tomar refrigerante todos os dias, ser seden-
tário, fumar, e por aí vai”, faz questão de
ressaltar Thaís Manfrinato Miola, coordena-
dora de Nutrição Clínica do A.C.Camargo
Cancer Center, em São Paulo.

Mais limpos ou nutritivos?
Julia reconhece que mais investigações são
necessárias para entender e comprovar o
vínculo identificado em sua pesquisa. Mas
já há diversas hipóteses sendo ventiladas.
Uma delas diz que os alimentos orgânicos
esbanjariam mais nutrientes do que os con-
vencionais, produzidos com agrotóxicos —
isto é, produtos químicos usados no campo
como fertilizantes ou para afastar pragas e
outras plantas que não as cultivadas. “Mas
os estudos sobre isso são controversos. Por
isso, ainda não existe consenso sobre o
tema”, analisa a nutricionista Juliana Ge-
raix, doutora pela Faculdade de Medicina
de Botucatu, no interior paulista, e especia-
lista na relação entre alimentação e câncer.
“Fatores como o solo onde o produto cresce,
quais pesticidas são usados e como os pro-
dutos são aplicados influenciam nesse as-
pecto. Então é simplório demais eleger uma
categoria como mais nutritiva”, raciocina.
Mas há uma teoria favorável aos orgâ-
nicos que goza de mais respaldo entre os
experts. Ela defende que, ao privilegiar essa
versão do alimento — que também respeita
princípios de sustentabilidade —, o indiví-
duo diminui sua exposição aos tais agrotó-
xicos. “E alguns desses compostos já foram
relacionados com o câncer, porque levam a
alterações no DNA e no funcionamento das
células capazes de propiciar o aparecimento
de tumores”, explica Thaís.

Novo estudo sugere que
alimentos sem resíduos de
agrotóxicos reduzem o risco
de tumores. Saiba o que dizem
os especialistas e como esse
achado reflete na sua mesa

por CHLOÉ PINHEIRO | design EDUARDO PIGNATA
fotos DULLA | produção INA RAMOS

O QUE
PRIORIZAR
Se não der para
comprar todos os
vegetais em versão
orgânica logo de cara,
vale começar por
algumas variedades

No último ranking
da Anvisa sobre o
teor de resíduos
de agrotóxicos nos
vegetais, os campeões
são frutas que não
comemos com casca
— o que teoricamente
reduz a exposição
aos pesticidas. Mas,
como eles não são
eliminados 100%,
vale ficar de olho na
lista abaixo. Outra
dica: alimentos
da época e de
preferência regionais
precisam de menos
defensivos para
prosperar.

12%


5%


2,6%2,2%
1,3%

LARANJA


ABACAXI
COUVE

UVA


ALFACE


SAÚDE É VITAL • JANEIRO 2019 • 31
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