Pois é: se ainda não dá para afirmar que or-
gânicos previnem câncer, o caminho inver-
so, que bota os pesticidas no banco dos réus,
já está mais consolidado. Diversos agrotóxi-
cos são elencados pela Agência Internacional
para Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em
inglês) como provavelmente carcinogênicos
em humanos. Três deles surgem na classifi-
cação 2A, a segunda mais robusta em evidên-
cias: glifosato, malathion e diazinon, todos
em uso atualmente no Brasil. “Mas o registro
do produto só é aprovado se a segurança ao
consumidor está garantida e a fração de resí-
duos que podem permanecer nos alimentos
é bastante pequena”, pondera Andreia Fer-
raz, gerente de Ciência Regulatória da Asso-
ciação Nacional de Defesa Vegetal, entidade
a favor da utilização de agroquímicos.
Só que os especialistas em saúde não
concordam muito com essa afirmação, em
especial no caso do glifosato, um dos mais
populares por aqui. “Não existe limite segu-
ro para a exposição a agentes com potencial
para causar câncer. Pelo princípio da precau-
ção, ele deveria ser proibido”, afirma Marcia
Scarpa, toxicologista do Instituto Nacional
de Câncer (Inca). “Sem dúvida os agricul-
tores correm maior risco, porque manipu-
lam diretamente os produtos. Mas existem
evidências científicas claras da presença de
resíduos dessas substâncias nos alimentos
comercializados”, completa a especialista.
“O glifosato bloqueia uma via metabólica
que inibe o crescimento da planta. Só que
essa via não existe em animais, o que contri-
bui para sua baixa toxicidade nos humanos.
Se usado de acordo com a bula, ele é seguro
para o consumidor”, contrapõe o toxicolo-
gista Flavio Zambrone, pesquisador do Gru-
po de Informação e Pesquisa sobre Glifosato
(Gipeg). O enrosco: esse emprego correto
não corresponderia à realidade. “Há uma
banalização do uso do agrotóxico e erros de
aplicação. Para piorar, a fiscalização é insu-
ficiente, o que é esperado, porque estamos
num país gigante”, comenta Mariella Uzeda,
agrônoma e pesquisadora da Embrapa.
Para embolar a situação, não dá para con-
firmar quanto agrotóxico consumimos. A
única medida oficial de resíduos em alimen-
tos vem do Programa Nacional de Análise de
Resíduos de Agrotóxicos da Anvisa. Ocorre
que ele não é atualizado desde 2016 e só con-
sidera itens in natura. No caso da água, por
exemplo, que também sofre contaminação,
a situação é preocupante. Uma portaria de
2011 do Ministério da Saúde permite até 500
microgramas por litro (μg/L) de glifosato no
líquido potável, enquanto na Europa o limi-
te é de 0,1 μg/L — valor 5 mil vezes mais rí-
gido. “E a legislação obriga a análise somente
de algumas substâncias. Várias outras nem
sequer são medidas”, destaca o médico Ever
Moronte, do Observatório dos Agrotóxicos
da Universidade Federal do Paraná.
E como ficam as compras?
Apesar de o estudo francês não ser conclusivo
e gerar debates acalorados, vale, sim, apostar
nos orgânicos quando possível. O Inca reco-
menda privilegiar a categoria como parte do
estilo de vida que reduz o risco de câncer. Só
não é para ficar bitolado, afinal é difícil mes-
mo fugir dos agrotóxicos: eles estão presen-
tes em quase tudo que comemos e bebemos.
Para ter ideia, 99% da produção agrícola do
país é convencional. Os orgânicos ainda são
mais difíceis de achar e, muitas vezes, mais
caros — embora dê para encontrar preços
melhores fora dos supermercados.
E que fique claro: mesmo que frutas, ver-
duras e legumes sejam cultivados de forma
convencional, os especialistas incentivam
sua presença na rotina. É que os benefícios
da classe parecem superar a possível ame-
aça de agrotóxicos. “A última meta-análise
[revisão robusta, que avalia estudos já feitos
sobre um tema] estima que cerca de 20 mil
casos de câncer ao ano poderiam ser evita-
dos aumentando o consumo de vegetais,
enquanto dez casos seriam provocados pela
ingestão de pesticidas”, informa Juliana. A
balança pesa positivamente para o que vem
da terra, seja orgânico ou não.
COM O
MORAL LÁ
EM CIMA
Puxado pelo
crescente interesse
em um estilo de vida
mais saudável, o
setor de orgânicos
vive um bom
momento no país.
Hoje, são 17 mil
produtores
certificados, e o
mercado cresceu
cerca de 10% ao ano
na última década.
Estima-se que, em
2018, o faturamento
ficou em torno de
4 bilhões de reais.
Se você quer levá-los
para casa, mas o
preço é um
impeditivo, vale
procurar os Grupos
de Consumo
Responsável (GCR),
criados por
consumidores que
compram direto com
os agricultores.
Segundo o Instituto
Kairós, uma cesta de
17 vegetais nessas
organizações tem
valor médio de
69 reais, enquanto
a mesma lista no
supermercado sai
por 144 reais.
32 • SAÚDE É VITAL • JANEIRO 2019